Projeto
de lei que tramita no Senado garante direitos para amante
Estatuto
busca assegurar que a amante e a família mantida paralelamente tenham os mesmos
direitos da oficial.
Projeto
de lei que tramita no Senado garante direitos para amante
Pedro*
sempre foi atrapalhado com mulheres. Viveu com Julia* e Ana* ao mesmo tempo por
nove anos, sem que nenhuma das duas soubesse. Com Julia, com quem era casado,
passou 22 anos, mas confessa: gostava mesmo era de Ana. Quando Julia descobriu
a traição, Pedro saiu de casa, pagou as contas e foi viver com a amante. Mais
tarde, ela também descobriu o jogo duplo. Ela manteve o relacionamento, mas se
tivesse decidido largar Pedro, ela poderia ir à Justiça e, quem sabe, teria
acesso aos direitos assegurados à ex-mulher de Pedro: pensão alimentícia e até
reparação por danos morais.
Passaram-se
seis anos. Hoje, Pedro acha que foi covarde com as duas. Mais: acha que ambas
as famílias devem ter os mesmos direitos perante a Justiça. Se o Projeto de Lei
nº 470/2013, da senadora baiana Lídice da Mata (PSB), passar no Senado, a
opinião de Pedro pode virar regra. “Se é justo dar os direitos para as duas
famílias? Eu acho. Foi por isso que eu me separei. Eu fui covarde ficando com
as duas”, conta Pedro, um comerciante de 49 anos.
Parece
mesmo ficção, mas o triângulo amoroso de Pedro é mais comum do que se imagina.
Talvez por isso haja tanta polêmica em torno da proposta de Lídice da Mata, o
chamado Estatuto das Famílias – assim mesmo, no plural, referência às atuais
formações familiares. Entre outros direitos para todos os tipos de formações
familiares brasileiras, o estatuto busca assegurar que a amante e a família
mantida paralelamente tenham os mesmos direitos da oficial.
O
artigo 14 diz que “as pessoas integrantes da entidade familiar têm o dever
recíproco de assistência, amparo material e moral, sendo obrigadas a concorrer,
na proporção de suas condições financeiras e econômicas, para a manutenção da
família”. Essa responsabilidade - e a de danos morais e materiais - se estende
a quem é casado ou vive em união estável, mas tem um relacionamento paralelo.
A
senadora escapa à polêmica. “Nossa proposta visa, principalmente, reunir num só
instrumento legal toda a legislação e jurisprudência atualizada referente à
área do Direito de Família”, diz. Não é a primeira vez que tentam elaborar um
estatuto do tipo. Projeto semelhante do deputado Cândido Vacarezza (PT-SP)
parou de tramitar em 2011.
Para
Lídice, as novas formatações de família não decorrem apenas do casamento e
tornam a vinculação afetiva mais importante, citando os casos de união estável,
homoafetiva e até adoções. Porém, essas novas formas ainda não são protegidas
pelas leis do país.
Resistência
O
projeto está pronto para ser apreciado pela Comissão de Direitos Humanos do
Senado desde o dia 26 de agosto e tinha parecer favorável à aprovação, mas só
deve chegar ao plenário no ano que vem. Isso porque, no primeiro semestre de
2015, serão feitas audiências públicas para discutir amplamente o projeto.
Ele
tem 303 artigos e trata de união homoafetiva, paternidade socioafetiva,
abandono afetivo, alienação parental, famílias recompostas e utilização do
termo “convivência familiar” em vez de “guarda compartilhada”.
A
resistência é grande. E a rejeição não vem apenas de pessoas como a vendedora
Bianca Ramos, de 23 anos, que não quer nem pensar na possibilidade de ter que
dividir o patrimônio do marido com uma amante hipotética dele. “Além de ela
destruir meu lar, minha família, ainda vai ter direitos? Que coisa linda! Nunca
na galáxia!”, declara.
No
meio jurídico, grupos mais conservadores e religiosos chegam a dizer que o
projeto da senadora quer institucionalizar a poligamia – proibida no Brasil – e
até incentiva relações incestuosas. É o caso da União dos Juristas Católicos de
São Paulo (Ujucasp). O presidente, Ives Gandra, enviou ao Senado um pedido de
rejeição da proposta e conseguiu que a votação fosse adiada. A Arquidiocese de
Salvador foi procurada para comentar o tema, mas não respondeu até o fechamento
desta reportagem.
Incorrigível
No documento,
endereçado à Comissão de Direitos Humanos da Casa, o presidente da Ujucasp diz
que as proposições são “desastrosas” e o texto é “incorrigível” e
“inconstitucional”. O último artigo do projeto revoga todo o Livro IV do
Direito de Família, do Código Civil Brasileiro.
O
texto, assinado também pela presidente da Associação de Direito de Família e
das Sucessões (Adfas), Regina Beatriz Tavares, condena que o direito à
felicidade seja o princípio fundamental de interpretação do estatuto. No
documento também se diz que o projeto é enganoso e que tenta fazer com que as
relações paralelas sejam alçadas ao patamar de entidades familiares.
Para a
advogada Alane Virgínia, que possui atuação na área de Direito de Família e
Sucessões, é difícil dizer se o texto é inconstitucional, até porque há outros
pontos polêmicos, que não apenas a questão das famílias paralelas. Por isso,
ela acredita que a solução seja ampliar o debate.
“É
indiscutível que as relações extraconjugais existem, que fazem parte da vida em
sociedade, ainda que nosso ordenamento jurídico condene de maneira expressa a
poligamia”, analisa. “Entendo que a intenção do texto está muito mais em
preservar os direitos das pessoas do que institucionalizar efetivamente a
poligamia. Mas o direito não vive de intenções, e sim de efeitos. E aí é que
mora o perigo”, alerta.
Moralismo
Se, de
um lado, há quem abomine o projeto, também há defensores, como o presidente do
Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam), Rodrigo da Cunha Pereira,
que prestou consultoria para o projeto. Para Rodrigo, a legislação atual não
traduz a realidade brasileira.
“A
legislação de hoje foi concebida na década de 1970 e ela fala de uma realidade
completamente diferente. Naquela época, (a família) era singular, era homem, mulher
e casamento. Hoje, ela é plural, tem muitas representações sociais da família”,
argumenta.
Rodrigo
rebate as críticas da Ujucasp e da Adfas. “Ou eles não leram, ou estão mentindo
deslavadamente. Nós estamos apenas querendo responsabilizar uma família
paralela. Do jeito que está hoje é que incentiva. Eu posso ter quantas famílias
quiser que não vou ter que dividir nem o patrimônio. Isso é moral hipócrita”,
diz.
A
senadora Lídice da Mata afirma que há uma tentativa de mistificar o projeto. “O
que se pretende, sim, é garantir que filhos e filhas, companheiros e
companheiras de quaisquer tipos de núcleos familiares tenham seus direitos
preservados. E, nesse caso, sempre, as crianças e adolescentes são e devem ser
os que exigem maior cuidado e amparo”, afirma. Colaborou Thais Borges. *Nomes
fictícios.
Tribunais
de Justiça do país têm concedido direitos às amantesConsultor do projeto
apresentado pela senadora Lídice da Mata (PSB), o advogado Rodrigo da Cunha
Pereira, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam), diz
que o estatuto vai beneficiar as mulheres. “É ela que é marginalizada, que é a
invisível. Essas pessoas (contra o projeto) querem deixar na invisibilidade
jurídica e social essas famílias. Se fosse assim, haveria até hoje filhos
ilegítimos, o que graças a Deus não existe desde 1998”, argumenta.
Foi o
que aconteceu com a família do monitor de turismo Jocemar Cacemiro, 49. Antes
de se casar com a mãe dele, o pai de Jocemar viveu com outra mulher, com quem
teve dois filhos. O pai acabou deixando essa primeira mulher e se casou com a
mãe de Jocemar, mantendo o relacionamento duplo por um tempo.
“Quando
ele faleceu, ela veio na Justiça tentar ter os mesmos direitos, pelo tempo de
ficaram juntos. Eles não tiveram direito a nada, a lei acabou favorecendo minha
mãe, porque ela era casada legalmente com ele”, conta. Segundo o presidente do
IBDFam, é cada vez mais comum mulheres que viveram em relacionamentos
extraconjugais buscarem direitos na Justiça. “A jurisprudência tem concedido
cada vez mais pareceres favoráveis”, diz Rodrigo.
A
advogada Alane Virgínia, da área de Direito Familiar, conta que os tribunais
têm concedido direitos às amantes. “Em uma relação paralela, há sentimentos
envolvidos também. E ainda que a legislação em vigor não resguarde essas
situações, a jurisprudência, que é a forma mais ágil de adequar o direito à
realidade social, já dá passos no sentido de proteger o direito dos indivíduos
em relações extraconjugais”, diz.
Projeto
de lei que tramita no Senado garante direitos para amante
Veja mais;
http://nelcisgomes.jusbrasil.com.br/noticias/157541090/projeto-de-lei-que-tramita-no-senado-garante-direitos-para-amante?utm_campaign=newsletter-daily_20141215_439&utm_medium=email&utm_source=newsletter
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