Consumidor: dano moral pela
perda de tempo
É comum a associação do dano
moral a casos de violação à personalidade da pessoa. Esta corrente doutrinária
entende que o dano está intrinsecamente ligado à dignidade humana.
Neste sentido, o art. 5º, X,
da Carta Magna dispõe que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a
honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano
material ou moral decorrente de sua violação".
Não é incomum vermos decisões
negando indenização por dano moral sob a alegação de que não houve violação aos
direitos de personalidade.
Há que se ressaltar o
posicionamento segundo o qual o simples descumprimento contratual não gera
obrigação de indenizar.
Assim, o Enunciado de Súmula
Predominante do TJRJ n. 75 prescreve que "o simples descumprimento de
dever legal ou contratual, por caracterizar mero aborrecimento, em princípio,
não configura dano moral, salvo se da infração advém circunstância que atenta
contra a dignidade da parte".
Corroborando com tal
entendimento, o Enunciado 159 da III Jornada de Direito Civil, segundo o qual
"o dano moral, assim compreendido todo dano extrapatrimonial, não se
caracteriza quando há mero aborrecimento inerente a prejuízo material.".
Esta tese é duramente
combatida por importantes doutrinadores.
Porém, a nosso viso, nada
impede que o dano moral se apresente como efeito do inadimplemento de uma
obrigação... Neste passo, em edificante artigo sobre o tema, André Gustavo
Corrêa de Andrade tranquilamente admite o dano moral contratual e remete a
solução da controvérsia à distinção entre "a patrimonialidade da prestação
e a extrapatrimonialidade do interesse do credor ou dos bens afetados. Embora a
prestação tenha conteúdo patrimonial, o interesse do credor na prestação pode,
conforme as circinstâncias, apresentar um caráter exptrapatrimonial porque
ligado à sua saúde ou de pessoas de sua família, ao seu lazer à sua comodidade,
ao seu bem-estar, à sua educação aos seus projetos intelectuais" (FARIAS,
Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson.. Curso de Direito Civil- Obrigações.
Bahia: Juspodivm, 2012, pag: 612) (grifamos).
Atualmente podemos observar o
surgimento de uma corrente doutrinária e jurisprudencial defendendo a
caracterização de dano moral pela perda de tempo útil. Nesta hipótese, o
descumprimento contratual conduz à perda desnecessária de tempo, tornando-se
necessária a devida reparação. É o denominado "Desvio Produtivo do
Consumidor", segundo Marcos Dessaune.
Nas relações consumeristas
podemos constatar com maior frequência a condenação de empresas fornecedoras de
produtos/serviços levando-se em consideração a função punitivo-educativa do
dano moral.
Neste sentido, o dano moral
tem função de evitar que determinadas situaçãos, que são frequentes, continuem
a se reproduzir (função educativa), sendo a indenização o fator de desestímulo
(função punitiva).
Notório que nessas situações a
indenização não está ligada aos direitos de personalidade.
Segundo esse entendimento,
sendo extremamente importante, escasso e irrecuperável, o desperdício (de
tempo) deve ser reparado.
Em se tratando de Direito do
Consumidor, por exemplo, não constitui novidade a perda de horas ao telefone,
e-mails, reclamações em órgãos reguladores, visitas técnicas marcadas sem
comparecimento do representante da empresas e etc, simplesmente para que aquele
serviço, que foi devidamente pago, seja restabelecido ou desconsiderado aquele
valor cobrado indevidamente ou aquela equivocada inscrição em cadastros
restritivos de crédito.
A jurisprudência fluminense
tem acolhido, ainda que de forma tímida, a tese de cabimento de indenização por
dano moral em casos de perda de tempo, conforme ementa abaixo transcrita:
DES. LUIZ FERNANDO DE CARVALHO
- Julgamento: 13/04/2011 - TERCEIRA CÂMARA CIVEL. CONSUMIDOR. AÇÃO
INDENIZATÓRIA. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE TELEFONIA E DE INTERNET, ALÉM
DE COBRANÇA INDEVIDA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. APELAÇÃO DA RÉ. AUSÊNCIA DE
DEMONSTRAÇÃO DA OCORRÊNCIA DE UMA DAS EXCLUDENTES PREVISTAS NO ART. 14, § 3º DO
CDC. CARACTERIZAÇÃO DA PERDA DO TEMPO LIVRE. DANOS MORAIS FIXADOS PELA SENTENÇA
DE ACORDO COM OS PARÂMETROS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS IGUALMENTE CORRETOS. DESPROVIMENTO DO APELO. DES. ALEXANDRE CÂMARA
- Julgamento: 03/11/2010 - SEGUNDA CÂMARA CIVEL Agravo Interno. Decisão
monocrática em Apelação Cível que deu parcial provimento ao recurso do agravado.
Direito do Consumidor. Demanda indenizatória. Seguro descontado de conta
corrente sem autorização do correntista. Descontos indevidos. Cancelamento das
cobranças que se impõe. Comprovação de inúmeras tentativas de resolução do
problema, durante mais de três anos, sem que fosse solucionado. Falha na
prestação do serviço. Perda do tempo livre. Dano moral configurado. Correto o
valor da compensação fixado em R$ 2.000,00. Juros moratórios a contar da
citação. Aplicação da multa prevista no § 2º do artigo 557 do CPC, no
percentual de 10% (dez por cento) do valor corrigido da causa. Recurso
desprovido[6].” (grifei)
Coadunando com este
entendimento, posiciona-se autorizada doutrina.
... Haverá dano moral pelo
simples inadimplemento contratual, naqueles casos em que a mora ou
inadimplemento causem ao credor grande perda de tempo e energia na resolução da
questão. Lembra André Gustavo Corrêa de Andrade, que "o tempo, pela sua
escassez, é um bem precioso para o indivíduo, tendo um valor que extrapola sua
dimensão econômica. A menor fração de tempo perdido de nossas vidas constitui
um bem irrecuperável. Por isso afigura-se razoável que a perda desse bem, ainda
que não implique prejuízo econômico ou material, de ensejo a uma
indenização" (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson.. Curso de
Direito Civil- Obrigações. Bahia: Juspodivm, 2012, pag: 612) (grifamos).
Podemos concluir que toda
perda injustificável e intolerável de tempo pode dar ensejo à reparação por
dano moral.
Veja mais;
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