quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Consumidor: dano moral pela perda de tempo

Consumidor: dano moral pela perda de tempo

É comum a associação do dano moral a casos de violação à personalidade da pessoa. Esta corrente doutrinária entende que o dano está intrinsecamente ligado à dignidade humana.

Neste sentido, o art. 5º, X, da Carta Magna dispõe que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".

Não é incomum vermos decisões negando indenização por dano moral sob a alegação de que não houve violação aos direitos de personalidade.

Há que se ressaltar o posicionamento segundo o qual o simples descumprimento contratual não gera obrigação de indenizar.

Assim, o Enunciado de Súmula Predominante do TJRJ n. 75 prescreve que "o simples descumprimento de dever legal ou contratual, por caracterizar mero aborrecimento, em princípio, não configura dano moral, salvo se da infração advém circunstância que atenta contra a dignidade da parte".

Corroborando com tal entendimento, o Enunciado 159 da III Jornada de Direito Civil, segundo o qual "o dano moral, assim compreendido todo dano extrapatrimonial, não se caracteriza quando há mero aborrecimento inerente a prejuízo material.".

Esta tese é duramente combatida por importantes doutrinadores.

Porém, a nosso viso, nada impede que o dano moral se apresente como efeito do inadimplemento de uma obrigação... Neste passo, em edificante artigo sobre o tema, André Gustavo Corrêa de Andrade tranquilamente admite o dano moral contratual e remete a solução da controvérsia à distinção entre "a patrimonialidade da prestação e a extrapatrimonialidade do interesse do credor ou dos bens afetados. Embora a prestação tenha conteúdo patrimonial, o interesse do credor na prestação pode, conforme as circinstâncias, apresentar um caráter exptrapatrimonial porque ligado à sua saúde ou de pessoas de sua família, ao seu lazer à sua comodidade, ao seu bem-estar, à sua educação aos seus projetos intelectuais" (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson.. Curso de Direito Civil- Obrigações. Bahia: Juspodivm, 2012, pag: 612) (grifamos).

Atualmente podemos observar o surgimento de uma corrente doutrinária e jurisprudencial defendendo a caracterização de dano moral pela perda de tempo útil. Nesta hipótese, o descumprimento contratual conduz à perda desnecessária de tempo, tornando-se necessária a devida reparação. É o denominado "Desvio Produtivo do Consumidor", segundo Marcos Dessaune.

Nas relações consumeristas podemos constatar com maior frequência a condenação de empresas fornecedoras de produtos/serviços levando-se em consideração a função punitivo-educativa do dano moral.

Neste sentido, o dano moral tem função de evitar que determinadas situaçãos, que são frequentes, continuem a se reproduzir (função educativa), sendo a indenização o fator de desestímulo (função punitiva).

Notório que nessas situações a indenização não está ligada aos direitos de personalidade.

Segundo esse entendimento, sendo extremamente importante, escasso e irrecuperável, o desperdício (de tempo) deve ser reparado.

Em se tratando de Direito do Consumidor, por exemplo, não constitui novidade a perda de horas ao telefone, e-mails, reclamações em órgãos reguladores, visitas técnicas marcadas sem comparecimento do representante da empresas e etc, simplesmente para que aquele serviço, que foi devidamente pago, seja restabelecido ou desconsiderado aquele valor cobrado indevidamente ou aquela equivocada inscrição em cadastros restritivos de crédito.

A jurisprudência fluminense tem acolhido, ainda que de forma tímida, a tese de cabimento de indenização por dano moral em casos de perda de tempo, conforme ementa abaixo transcrita:

DES. LUIZ FERNANDO DE CARVALHO - Julgamento: 13/04/2011 - TERCEIRA CÂMARA CIVEL. CONSUMIDOR. AÇÃO INDENIZATÓRIA. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE TELEFONIA E DE INTERNET, ALÉM DE COBRANÇA INDEVIDA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. APELAÇÃO DA RÉ. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA OCORRÊNCIA DE UMA DAS EXCLUDENTES PREVISTAS NO ART. 14, § 3º DO CDC. CARACTERIZAÇÃO DA PERDA DO TEMPO LIVRE. DANOS MORAIS FIXADOS PELA SENTENÇA DE ACORDO COM OS PARÂMETROS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS IGUALMENTE CORRETOS. DESPROVIMENTO DO APELO. DES. ALEXANDRE CÂMARA - Julgamento: 03/11/2010 - SEGUNDA CÂMARA CIVEL Agravo Interno. Decisão monocrática em Apelação Cível que deu parcial provimento ao recurso do agravado. Direito do Consumidor. Demanda indenizatória. Seguro descontado de conta corrente sem autorização do correntista. Descontos indevidos. Cancelamento das cobranças que se impõe. Comprovação de inúmeras tentativas de resolução do problema, durante mais de três anos, sem que fosse solucionado. Falha na prestação do serviço. Perda do tempo livre. Dano moral configurado. Correto o valor da compensação fixado em R$ 2.000,00. Juros moratórios a contar da citação. Aplicação da multa prevista no § 2º do artigo 557 do CPC, no percentual de 10% (dez por cento) do valor corrigido da causa. Recurso desprovido[6].” (grifei)

Coadunando com este entendimento, posiciona-se autorizada doutrina.

... Haverá dano moral pelo simples inadimplemento contratual, naqueles casos em que a mora ou inadimplemento causem ao credor grande perda de tempo e energia na resolução da questão. Lembra André Gustavo Corrêa de Andrade, que "o tempo, pela sua escassez, é um bem precioso para o indivíduo, tendo um valor que extrapola sua dimensão econômica. A menor fração de tempo perdido de nossas vidas constitui um bem irrecuperável. Por isso afigura-se razoável que a perda desse bem, ainda que não implique prejuízo econômico ou material, de ensejo a uma indenização" (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson.. Curso de Direito Civil- Obrigações. Bahia: Juspodivm, 2012, pag: 612) (grifamos).

Podemos concluir que toda perda injustificável e intolerável de tempo pode dar ensejo à reparação por dano moral.

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