Medidas Protetivas de Urgência
da Lei Maria da Penha para homens vitimizados: uma análise de viabilidade e necessidade
Autor: Eduardo Luiz Santos
Cabette, Delegado de Polícia, Mestre em Direito Social, Pós – graduado com
especialização em Direito Penal e Criminologia e Professor de Direito Penal,
Processo Penal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial na
graduação e na pós – graduação da Unisal.
Vêm pululando decisões, seja
em primeiro ou em segundo grau, que impõem ou admitem medidas protetivas de
urgência da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) a favor de pessoa do sexo
masculino, utilizando analogia.
A Lei Maria da Penha (Lei
11.340/06) induvidosamente foi idealizada e concretizada para a defesa especial
da “mulher” vítima de violência doméstica e familiar.
É claramente detectável dentre
os operadores do direito e no seio da doutrina um ranço odioso de insistência
em resistir à discriminação positiva perpetrada pela citada legislação,
inclusive apregoando-se de forma obtusa e/ou maliciosa sua
inconstitucionalidade por violação ao princípio da igualdade.
Ocorre que a previsão de uma
legislação conferindo especial proteção à mulher, longe de gerar
inconstitucionalidade por infração ao Princípio da Igualdade ou Isonomia em
relação ao gênero masculino, promove certamente a igualdade material. Aqueles
que insistem em apontar a igualdade entre homens e mulheres constitucionalmente
prevista para desacreditar a Lei Maria da Penha em termos de
constitucionalidade ou sofrem de obtusidade mórbida ou atuam com má fé, usando
um sofisma primário por não admitirem mudanças sociais em prol das mulheres.
Nada é mais óbvio do que o fato de que o disposto no artigo 5º., I da
Constituição Federal não se volta para uma igualdade formal rígida e chapada
entre os gêneros, senão para a finalidade de promover uma igualdade material
que não existe. É uma das lições mais antigas aquela que diz que se devem tratar
os iguais igualmente e os desiguais desigualmente (equidade é algo em pauta
desde a Grécia antiga com Aristóteles e companhia e chegando aos nossos dias
com a Teoria da Justiça de John Rawls). [1] É claro e evidente que o
dispositivo constitucional em comento jamais pretendeu dizer o absurdo de que
homens e mulheres são realmente iguais (Ainda bem que não são iguais, senão o
mundo seria muito triste!). Há obviamente diferenças físicas, psíquicas etc.,
mas o principal são as diferenças sociais que vêm se mantendo não somente no
Brasil como em todo o mundo dito civilizado ou não. Assim sendo a dicção do
artigo 5º., I, CF, ao proclamar essa igualdade formal, só pode ter por escopo
ensejar uma igualdade real ou material através da lei, corrigindo injustiças e desigualdades
existentes de fato e equiparando socialmente a mulher ao homem mediante uma
“discriminação positiva”. Mais ridículo ainda seria pretender pensar que o
objetivo da norma constitucional fosse equiparar o homem à mulher, vez que o
gênero masculino sempre se sobrepôs ao feminino na história da humanidade com
raríssimas exceções encontráveis em algumas sociedades matriarcais, aliás,
raríssimas ou inexistentes na atualidade a não ser em pequenas comunidades
primitivas. Portanto, a Lei Maria da Penha nada tem de inconstitucional.
Doutra banda, é interessante
notar a paradoxal boa vontade em ampliar a aplicação da Lei Maria da Penha para
homens, especialmente no que tange às suas medidas protetivas. A situação é
chocante porque ao mesmo tempo em que se resiste à aplicação dessa legislação
às mulheres, para as quais ela foi erigida, pretende-se aplica-la aos homens!
Contudo, tirante a contradição
entre a resistência de aplicação da legislação em seu âmbito natural e a
disponibilidade para sua ampliação a campos não previstos, pode-se afirmar que
essa medida de procurar proteger homens vitimizados em situações análogas
àquelas de mulheres vítimas de violência não é desprezível. Isso porque, a
partir do momento em que se admite a possibilidade e real necessidade de uma
lei especialmente protetiva das mulheres em situação de hipossuficiência social
tradicional sem violação da igualdade, conforme acima consignado, mas
promovendo à igualdade material entre os gêneros num plano abstrato, pode-se
também vislumbrar situações em que um homem se encontre em situação que demande
medidas protetivas devido à conduta violenta e contumaz de uma mulher
desequilibrada. Observe-se que o Princípio da Igualdade, tal como, aliás, todos
os Princípios e o Direito em geral, não pode jamais ser interpretado e aplicado
de uma forma estática, mas sim dinâmica. Ou seja, avaliando um caso concreto, é
ali que se deve sopesar a equidade. Tendo isso em mira, não é impossível
justificar, inobstante a falta de previsão legal expressa, a aplicabilidade de
medidas protetivas da Lei Maria da Penha a um homem vitimizado e, no caso
concreto, em situação de hipossuficiência em relação a uma mulher. Trata-se de
uma dinamização do Princípio da Igualdade, que difere de sua implementação no
plano abstrato que avalia a situação em geral de relacionamento dos gêneros no
seio social atual e histórico.
Contra a aplicação analógica
da Lei Maria da Penha em prol da defesa de homens poder-se-ia acenar com a
impossibilidade de analogia “in malam partem” com relação à imposição de
medidas restritivas de direitos às pessoas. Ora, sendo a Lei Maria da Penha
voltada para as mulheres e tratando-se de restrições cautelares, somente
poderia haver aplicação para a defesa de mulheres por falta de “tipicidade
processual penal”. [2] Afinal, nesses casos a suposta mulher agressora (não se
olvide o Princípio da Presunção de Inocência) seria submetida a medidas
restritivas que são previstas somente no caso inverso, ou seja, em que o
agressor fosse homem.
Esse argumento, no entanto,
não deve prosperar. Isso porque, em primeiro lugar, as medidas protetivas da
Lei Maria da Penha são realmente voltadas à proteção específica da mulher
vitimizada, mas podem perfeitamente ter como sujeito passivo da restrição outra
mulher (v. G. quando esta realiza condutas de violência de gênero no âmbito
doméstico e familiar em conjunto com um homem ou em situação análoga). Mas,
esse argumento ainda seria fraco, já que mesmo nessas condições, estaria
satisfeito o requisito da mulher como vítima e não um homem. Porém, avaliando o
caso concreto de um homem vitimizado por violência doméstica ou familiar nos
moldes descritos pela Lei 11.340/06 (artigos 5º. E 7º.), deve-se considerar que
não se trata de “atipicidade processual penal” porque as medidas protetivas têm
previsão legal. Apenas é necessário o recurso a uma avaliação que leve em conta
a viabilidade de ampliação dos dispositivos e superação do limite protetivo ao
gênero feminino, considerando as peculiaridades da situação específica em que o
garantismo negativo (encarnado na necessidade de tipicidade processual penal
expressa) se choca com um garantismo positivo (retratado na necessidade
concreta e urgente de proteção ao homem vitimizado que também é igualmente
titular de bens jurídicos a serem garantidos pelo ordenamento). Efetivamente
uma ponderação é bem vinda nesses casos, pois como bem lembra Cambi, “a
construção de sistema jurídico ideal decorre do equilíbrio entre os valores da
segurança jurídica e da justiça”. [3]
Assim sendo, as decisões que
abrigam a possibilidade de medidas protetivas de urgência em favor de homens
não são despidas de coerência. Não obstante, parece que o recurso à Lei Maria
da Penha e a necessidade de toda a argumentação antecedentemente expressa neste
texto soa anacrônica com relação ao atual estágio de desenvolvimento das
medidas cautelares processuais penais após a edição da Lei 12.403/11.
Ocorre que se antes havia um
pauperismo cautelar processual penal na legislação brasileira consistente no
denominado “Sistema Bipolar” (Prisão Provisória x Liberdade Provisória e mais
nada), agora se pode afirmar que houve uma migração para um novo sistema que
pode ser denominado de pluralidade, diversidade ou variabilidade cautelar, [4]
com uma série de opções dispostas para aplicação não somente às mulheres, mas
também aos homens.
No caso enfocado, o Código de
Processo Penal Brasileiro, em seu artigo 319, II e III (especialmente este)
cobre perfeitamente, a cautelaridade protetiva de que carece o homem
vitimizado, com as possibilidades de restrição de acesso a determinados lugares
e proibição de aproximação e contato com pessoa determinada (no caso, a vítima
masculina). Também é fato que o descumprimento dessas medidas cautelares poderá
ensejar a adoção de outras ainda mais restritivas em cumulação ou substituição
ou então, em último caso ao decreto de Prisão Preventiva, nos termos dos
artigos 282, I e II e §§ 4º. E 6º. C/c artigo 312, Parágrafo Único, CPP. É
visível que o Código de Processo Penal, obviamente de aplicação indistinta
entre os sexos, apresenta hoje claras e evidentes opções cautelares de igual
potencial protetivo, tornando o recurso à Lei Maria da Penha para a proteção de
homens anacrônico e despiciendo.
Portanto, utilizar a Lei Maria
da Penha para a proteção de homens, após o advento da Lei 12.403/11 é um
esforço interpretativo e argumentativo absolutamente desnecessário a não ser
que o intento seja causar polêmica inútil e apelo midiático.
Em suma, a legislação
brasileira dispõe de mecanismos adequados para a proteção de todos os cidadãos,
homens ou mulheres, e atualmente sem necessidade de maiores contorcionismos
jurídico – argumentativos para a extensão atípica da Lei 11.340/06 para a
proteção de pessoas do sexo masculino, tendo em vista a ampliação das medidas cautelares
do próprio Código de Processo Penal em seus artigos 319 e 320, mediante a Lei
12.403/11.
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