quarta-feira, 22 de abril de 2015

Você sabe como a Pirâmide de Kelsen é aplicada no Direito do Trabalho? Já ouviu falar em Teoria do Conglobamento? Teoria da Acumulação? Entenda!

Você sabe como a Pirâmide de Kelsen é aplicada no Direito do Trabalho? Já ouviu falar em Teoria do Conglobamento? Teoria da Acumulação? Entenda!














A pirâmide de Kelsen representa um sistema normativo em que há normas de hierarquia diversas. No topo da pirâmide está a Constituição. Em nível intermediário estão as leis. Em níveis inferiores os decretos editados pelo Poder Executivo, por exemplo.

A consequência é que normas de hierarquia inferior deverão observar as de hierarquia superior. Se uma norma inferior entra no ordenamento jurídico e viola a superior, aquela não pode ser apta a produzir efeitos jurídicos. Se a norma superior é inaugurada no sistema normativo e viola a inferior, ocorre a ab-rogação (revogação integral) ou derrogação (revogação parcial) desta.

Pois bem, tal pirâmide tem aplicação integral no Direito do Trabalho? Para oferecer ao leitor a devida resposta, primeiramente é necessário definir o que é o princípio da proteção ao trabalhador.

O referido princípio se desdobra em três outros princípios: princípio do in dúbio pro operário (pro misero), princípio da norma mais favorável e principio da condição mais benéfica.

O princípio do in dubio pro operario se aplica quando houver dúvida acerca de qual interpretação da norma aplicar no caso em específico, de modo que deverá ser utilizada a que favorecer o trabalhador. Sua aplicação no campo processual foi discutida em outro artigo de minha autoria, cujo título é: “E se ocorrer o empate das provas no processo do trabalho? E se o juiz não estiver convencido por nenhuma das provas? O que fazer?”

O princípio da condição mais benéfica se relaciona ao aspecto temporal das normas. Pode-se afirmar que se houver alteração no contrato de trabalho que o torne menos favorável ao trabalhador, tal modificação é inválida, pois o empregado tem direito adquirido à norma mais benéfica. O princípio em destaque está previsto tanto na lei, quanto no entendimento sumulado do TST:

"CLT Art. 468 - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia."

"Súmula nº 51 do TST

NORMA REGULAMENTAR. VANTAGENS E OPÇÃO PELO NOVO REGULAMENTO. ART. 468 DA CLT (incorporada a Orientação Jurisprudencial nº 163 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005

I - As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento. (ex-Súmula nº 51 - RA 41/1973, DJ 14.06.1973)

II - Havendo a coexistência de dois regulamentos da empresa, a opção do empregado por um deles tem efeito jurídico de renúncia às regras do sistema do outro. (ex-OJ nº 163 da SBDI-1 - inserida em 26.03.1999)"

"Súmula nº 277 do TST

CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO OU ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. EFICÁCIA. ULTRATIVIDADE (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012

As cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho."

Já o princípio da norma mais favorável é empregado quando há pluralidade de normas (não de interpretação), de tal sorte que será aplicada ao caso concreto a mais vantajosa ao trabalhador.

“Ao contrário do direito comum, em nosso direito entre várias normas sobre a mesma matéria, a pirâmide que entre elas se constitui terá no vértice, não a Constituição Federal, ou a lei federal, ou as convenções coletivas, ou o regulamento de empresa, de modo invariável e fixo. O vértice da pirâmide da hierarquia das normas trabalhistas será ocupado pela norma mais favorável ao trabalhador dentre as diferentes em vigor” (NASCIMENTO, 1977. P. 235).

Portanto, a doutrina entende que a tradicional pirâmide de Kelsen tem aplicação diferenciada no Direito do Trabalho. No topo da pirâmide está a norma mais favorável ao trabalhador, que pode não ser a Constituição Federal.

Porém, há questionamentos a fazer: digamos que exista a norma A e a norma B que regulam o mesmo instituto, mas parte da norma A é mais favorável ao trabalhador, enquanto parte da norma B é mais vantajosa. Deve-se aplicar integralmente algumas das normas ou pode-se utilizar parcialmente as duas normas? Para resolver a questão devemos entender a Teoria do Conglobamento, Teoria da Acumulação e Teoria do Conglobamento mitigado.

A teoria da acumulação reúne todas as regras mais benéficas ao trabalhador de cada fonte normativa, de modo que podem ser aplicadas parcialmente as diversas fontes, de modo a formar uma só relação jurídica.

Maurício Godinho Delgado afirma que “a teoria da acumulação propõe como procedimento de seleção, análise e classificação das normas cotejadas, o fracionamento do conteúdo dos textos normativos, retirando-se os preceitos e institutos singulares de cada um que se destaquem por seu sentido mais favorável ao trabalhador. À luz dessa teoria acumulam-se, portanto, preceitos favoráveis ao obreiro, cindindo-se diplomas normativos postos em equiparação” (DELGADO, 2009, p. 1279)

Pessoalmente, tenho severas ressalvas quanto à aludida teoria, uma vez que não atende à vontade do legislador, pois desta maneira criar-se-ia uma nova norma jurídica, diversa da pretendida pelo Poder Legislativo.

Os Tribunais pátrios não costumam aceitar referida teoria:

EMBRAPA. TABELA SALARIAL. PRINCÍPIO DA IRREDUTIBILIDADE. ALTERAÇÃO CONTRATUAL LESIVA. AUSENCIA DE CONFIGURAÇÃO. REENQUDRAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. (...) Ademais, a pretensão de reenquadramento formulada procura reunir vantagens da tabela substituída e daquela em vigor, estratégia não admitida pelo direito do trabalho, que rechaça a teoria da acumulação em benefício de uma abordagem sistemática dos instrumentos normativos que regem a contratação, analisado o seu grau de proveito sempre de um ponto de vista coletivo. (...)

(TRT-6 - RO: 1063522010506 PE 0001063-52.2010.5.06.0411, Relator: Mª. Helena Guedes S. De Pinho Maciel, Data de Publicação: 01/03/2011)

Já a teoria do conglobamento dita que deve-se aplicar integralmente certo conjunto normativo, não podendo fracioná-lo.

Maurício Godinho Delgado diz que “a teoria do conglobamento constrói um procedimento de seleção, análise e classificação das normas cotejadas sumamente diverso do anterior. Por essa segunda teoria não se fracionam preceitos ou institutos jurídicos. Cada conjunto normativo é apreendido globalmente, considerando o mesmo universo temático; respeitada essa seleção, é o referido conjunto comparado aos demais, também globalmente apreendidos, encaminhando-se, então, pelo cotejo analítico, à determinação do conjunto normativo mais favorável” (DELGADO, 2009, p. 1279)

"De acordo com a teoria do conglobamento, “não se mesclam cláusulas de instrumentos coletivos diferentes, devendo prevalecer o acordo coletivo como norma mais favorável, em sua totalidade” (TST, RR-130000-70.2005.5.03.0013, Rel. Min. Maria de Assis Calsing, DJ-e 12.3.2010)."

Por fim, existe o que se chama de Teoria Intermediária ou Eclética ou Conglobamento por instituto ou Conglobamento Mitigado.

“Determina a aplicação do conjunto de normas agrupadas sob a mesma forma de instituto jurídico desde que mais favorável ao trabalhador, em detrimento daquela matéria prevista em outra fonte de direito também aplicável ao empregado” (CONFLITO ENTRE NORMAS COLETIVAS DE TRABALHO, Graziella Ambrosio). Por exemplo: a Convenção Coletiva de Trabalho A contém dispositivos sobre férias e aviso prévio. O Acordo Coletivo de Trabalho B também trata a respeito de férias e aviso prévio. Como os temas férias e aviso prévio são institutos jurídicos diversos seria possível que no caso concreto fosse aplicada a convenção coletiva A a respeito das férias e o acordo coletivo B no que tange ao aviso prévio, se mais benéfico ao trabalhador.

Segue aplicação recente da teoria do conglobamento mitigado:

TEORIA DO CONGLOBAMENTO POR INSTITUTO - Se deve aplicar à relação jurídica estabelecida entre as partes tanto os ACTs quanto as CCTs, observando-se em relação a cada instituto jurídico a norma que mais beneficie o empregado, pois permite que seja preservada a harmonia e integridade de cada instrumento, sem causar prejuízo ao trabalhador quando, por exemplo, um deles seja absolutamente omisso a respeito de uma matéria.

(TRT-9 21992010661900 PR 2199-2010-661-9-0-0, Relator: LUIZ CELSO NAPP, 4A. TURMA, Data de Publicação: 29/03/2011)

Cabe frisar que atualmente a jurisprudência não é pacífica sobre o tema: oscila entre a teoria do conglobamento e a teoria do conglobamento por instituto.


Vejam mais;

http://jeanrox.jusbrasil.com.br/artigos/182507555/voce-sabe-como-a-piramide-de-kelsen-e-aplicada-no-direito-do-trabalho-ja-ouviu-falar-em-teoria-do-conglobamento-teoria-da-acumulacao-entenda?utm_campaign=newsletter-daily_20150421_1059&utm_medium=email&utm_source=newsletter.


Um comentário:

  1. O trabalho supra está muito bem elaborado e por isso cumpre saudar a Autora, a Sra. Dra. Deise Lobo, aqui de um dos lados do Atlântico, em Portugal. Seja como for, e com todo o respeito, pessoalmente, não me seduz muito a nomenclatura das teorias, "acumulação" e "conglobamento", posto que são conceitos que cabem melhor na macro-economia. De qualquer das formas é manifesto que no direito do trabalho sempre vingou a tese da lei mais favorável ao trabalho, independentemente da fonte de direito. Saudação. GT

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