Você sabe como a Pirâmide de
Kelsen é aplicada no Direito do Trabalho? Já ouviu falar em Teoria do Conglobamento?
Teoria da Acumulação? Entenda!
A pirâmide de Kelsen
representa um sistema normativo em que há normas de hierarquia diversas. No
topo da pirâmide está a Constituição. Em nível intermediário estão as leis. Em
níveis inferiores os decretos editados pelo Poder Executivo, por exemplo.
A consequência é que normas de
hierarquia inferior deverão observar as de hierarquia superior. Se uma norma
inferior entra no ordenamento jurídico e viola a superior, aquela não pode ser
apta a produzir efeitos jurídicos. Se a norma superior é inaugurada no sistema
normativo e viola a inferior, ocorre a ab-rogação (revogação integral) ou
derrogação (revogação parcial) desta.
Pois bem, tal pirâmide tem
aplicação integral no Direito do Trabalho? Para oferecer ao leitor a devida
resposta, primeiramente é necessário definir o que é o princípio da proteção ao
trabalhador.
O referido princípio se
desdobra em três outros princípios: princípio do in dúbio pro operário (pro
misero), princípio da norma mais favorável e principio da condição mais
benéfica.
O princípio do in dubio pro
operario se aplica quando houver dúvida acerca de qual interpretação da norma
aplicar no caso em específico, de modo que deverá ser utilizada a que favorecer
o trabalhador. Sua aplicação no campo processual foi discutida em outro artigo
de minha autoria, cujo título é: “E se ocorrer o empate das provas no processo
do trabalho? E se o juiz não estiver convencido por nenhuma das provas? O que
fazer?”
O princípio da condição mais
benéfica se relaciona ao aspecto temporal das normas. Pode-se afirmar que se
houver alteração no contrato de trabalho que o torne menos favorável ao
trabalhador, tal modificação é inválida, pois o empregado tem direito adquirido
à norma mais benéfica. O princípio em destaque está previsto tanto na lei,
quanto no entendimento sumulado do TST:
"CLT Art. 468 - Nos
contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições
por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou
indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula
infringente desta garantia."
"Súmula nº 51 do TST
NORMA REGULAMENTAR. VANTAGENS
E OPÇÃO PELO NOVO REGULAMENTO. ART. 468 DA CLT (incorporada a Orientação
Jurisprudencial nº 163 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005
I - As cláusulas
regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só
atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do
regulamento. (ex-Súmula nº 51 - RA 41/1973, DJ 14.06.1973)
II - Havendo a coexistência de
dois regulamentos da empresa, a opção do empregado por um deles tem efeito
jurídico de renúncia às regras do sistema do outro. (ex-OJ nº 163 da SBDI-1 -
inserida em 26.03.1999)"
"Súmula nº 277 do TST
CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO
OU ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. EFICÁCIA. ULTRATIVIDADE (redação alterada na
sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) - Res. 185/2012, DEJT divulgado
em 25, 26 e 27.09.2012
As cláusulas normativas dos
acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de
trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação
coletiva de trabalho."
Já o princípio da norma mais
favorável é empregado quando há pluralidade de normas (não de interpretação),
de tal sorte que será aplicada ao caso concreto a mais vantajosa ao
trabalhador.
“Ao contrário do direito
comum, em nosso direito entre várias normas sobre a mesma matéria, a pirâmide
que entre elas se constitui terá no vértice, não a Constituição Federal, ou a
lei federal, ou as convenções coletivas, ou o regulamento de empresa, de modo
invariável e fixo. O vértice da pirâmide da hierarquia das normas trabalhistas
será ocupado pela norma mais favorável ao trabalhador dentre as diferentes em
vigor” (NASCIMENTO, 1977. P. 235).
Portanto, a doutrina entende
que a tradicional pirâmide de Kelsen tem aplicação diferenciada no Direito do
Trabalho. No topo da pirâmide está a norma mais favorável ao trabalhador, que
pode não ser a Constituição Federal.
Porém, há questionamentos a
fazer: digamos que exista a norma A e a norma B que regulam o mesmo instituto,
mas parte da norma A é mais favorável ao trabalhador, enquanto parte da norma B
é mais vantajosa. Deve-se aplicar integralmente algumas das normas ou pode-se
utilizar parcialmente as duas normas? Para resolver a questão devemos entender
a Teoria do Conglobamento, Teoria da Acumulação e Teoria do Conglobamento
mitigado.
A teoria da acumulação reúne
todas as regras mais benéficas ao trabalhador de cada fonte normativa, de modo
que podem ser aplicadas parcialmente as diversas fontes, de modo a formar uma
só relação jurídica.
Maurício Godinho Delgado
afirma que “a teoria da acumulação propõe como procedimento de seleção, análise
e classificação das normas cotejadas, o fracionamento do conteúdo dos textos
normativos, retirando-se os preceitos e institutos singulares de cada um que se
destaquem por seu sentido mais favorável ao trabalhador. À luz dessa teoria
acumulam-se, portanto, preceitos favoráveis ao obreiro, cindindo-se diplomas
normativos postos em equiparação” (DELGADO, 2009, p. 1279)
Pessoalmente, tenho severas
ressalvas quanto à aludida teoria, uma vez que não atende à vontade do
legislador, pois desta maneira criar-se-ia uma nova norma jurídica, diversa da
pretendida pelo Poder Legislativo.
Os Tribunais pátrios não
costumam aceitar referida teoria:
EMBRAPA. TABELA SALARIAL.
PRINCÍPIO DA IRREDUTIBILIDADE. ALTERAÇÃO CONTRATUAL LESIVA. AUSENCIA DE
CONFIGURAÇÃO. REENQUDRAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. (...) Ademais, a pretensão de
reenquadramento formulada procura reunir vantagens da tabela substituída e
daquela em vigor, estratégia não admitida pelo direito do trabalho, que rechaça
a teoria da acumulação em benefício de uma abordagem sistemática dos
instrumentos normativos que regem a contratação, analisado o seu grau de
proveito sempre de um ponto de vista coletivo. (...)
(TRT-6 - RO: 1063522010506 PE
0001063-52.2010.5.06.0411, Relator: Mª. Helena Guedes S. De Pinho Maciel, Data
de Publicação: 01/03/2011)
Já a teoria do conglobamento
dita que deve-se aplicar integralmente certo conjunto normativo, não podendo
fracioná-lo.
Maurício Godinho Delgado diz
que “a teoria do conglobamento constrói um procedimento de seleção, análise e
classificação das normas cotejadas sumamente diverso do anterior. Por essa
segunda teoria não se fracionam preceitos ou institutos jurídicos. Cada
conjunto normativo é apreendido globalmente, considerando o mesmo universo
temático; respeitada essa seleção, é o referido conjunto comparado aos demais,
também globalmente apreendidos, encaminhando-se, então, pelo cotejo analítico,
à determinação do conjunto normativo mais favorável” (DELGADO, 2009, p. 1279)
"De acordo com a teoria
do conglobamento, “não se mesclam cláusulas de instrumentos coletivos
diferentes, devendo prevalecer o acordo coletivo como norma mais favorável, em
sua totalidade” (TST, RR-130000-70.2005.5.03.0013, Rel. Min. Maria de Assis
Calsing, DJ-e 12.3.2010)."
Por fim, existe o que se chama
de Teoria Intermediária ou Eclética ou Conglobamento por instituto ou
Conglobamento Mitigado.
“Determina a aplicação do
conjunto de normas agrupadas sob a mesma forma de instituto jurídico desde que
mais favorável ao trabalhador, em detrimento daquela matéria prevista em outra
fonte de direito também aplicável ao empregado” (CONFLITO ENTRE NORMAS COLETIVAS
DE TRABALHO, Graziella Ambrosio). Por exemplo: a Convenção Coletiva de Trabalho
A contém dispositivos sobre férias e aviso prévio. O Acordo Coletivo de
Trabalho B também trata a respeito de férias e aviso prévio. Como os temas
férias e aviso prévio são institutos jurídicos diversos seria possível que no
caso concreto fosse aplicada a convenção coletiva A a respeito das férias e o
acordo coletivo B no que tange ao aviso prévio, se mais benéfico ao
trabalhador.
Segue aplicação recente da
teoria do conglobamento mitigado:
TEORIA DO CONGLOBAMENTO POR
INSTITUTO - Se deve aplicar à relação jurídica estabelecida entre as partes
tanto os ACTs quanto as CCTs, observando-se em relação a cada instituto
jurídico a norma que mais beneficie o empregado, pois permite que seja
preservada a harmonia e integridade de cada instrumento, sem causar prejuízo ao
trabalhador quando, por exemplo, um deles seja absolutamente omisso a respeito
de uma matéria.
(TRT-9 21992010661900 PR
2199-2010-661-9-0-0, Relator: LUIZ CELSO NAPP, 4A. TURMA, Data de Publicação:
29/03/2011)
Cabe frisar que atualmente a
jurisprudência não é pacífica sobre o tema: oscila entre a teoria do
conglobamento e a teoria do conglobamento por instituto.
Vejam mais;
http://jeanrox.jusbrasil.com.br/artigos/182507555/voce-sabe-como-a-piramide-de-kelsen-e-aplicada-no-direito-do-trabalho-ja-ouviu-falar-em-teoria-do-conglobamento-teoria-da-acumulacao-entenda?utm_campaign=newsletter-daily_20150421_1059&utm_medium=email&utm_source=newsletter.
O trabalho supra está muito bem elaborado e por isso cumpre saudar a Autora, a Sra. Dra. Deise Lobo, aqui de um dos lados do Atlântico, em Portugal. Seja como for, e com todo o respeito, pessoalmente, não me seduz muito a nomenclatura das teorias, "acumulação" e "conglobamento", posto que são conceitos que cabem melhor na macro-economia. De qualquer das formas é manifesto que no direito do trabalho sempre vingou a tese da lei mais favorável ao trabalho, independentemente da fonte de direito. Saudação. GT
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