Os
retratos falados e o problema das Falsas Memórias
Aqui
em Salvador, na Bahia, um fato muito triste aconteceu: uma médica foi estuprada
ao sair do seu trabalho.
De
todos os crimes eu acho o estupro um dos mais bizarros, violentos,
inaceitáveis. No entanto não quero falar do estupro, mas de algo (também!)
trágico que aconteceu com toda esta história - que eu espero que tenha um final
de feliz: a prisão do verdadeiro culpado.
É que,
por meio de um retrato falado, divulgado na mídia, um rapaz veio a público
dizer que fora confundido e que, por isto, vem sofrendo. As notícias por aqui
na Bahia circulam assim: Homem apontado como autor de estupro a médica presta
queixa por difamação.
Segundo
ele,
As
pessoas me apontam na rua, tenho três dias sem dormir direito, tomando remédio,
sem comer, minha vida virou de cabeça pra baixo. Pela Justiça eu estou livre,
mas estou sendo acusado pelas pessoas. Minha esposa está me apoiando, estão me
expondo e quase não tenho saído de casa.
A
Polícia Civil informou que desconhece a origem da foto divulgada nas redes
sociais e que não reconhece o homem como suspeito do crime. Ainda de acordo com
a Polícia Civil, o delegado responsável pelo caso, Drº William Achan, classificou
o acontecimento de "brincadeira de má-fé" e afirmou ainda que o rapaz
da foto vai processar os responsáveis pela divulgação da imagem e das
informações atribuídas a ele.
De
fato, vivemos numa era de extrema violência. Uma era de vingança. Pessoas
"de bem" estão cometendo injustiças e atrocidades sob a pretensão de
salvar a sociedade do mal.
Qual o
problema disso tudo? Os problemas, na verdade:
1-
Retrato falado é uma coisa perigosa demais, ainda mais hoje quando estudos
avançados de neurociência já falam dos perigos das "falsas memórias".
A mulher foi estuprada e vai fazer um retrato falado. A primeira imagem que vem
à cabeça, num momento de estresse como este, é a imagem que ela vai jogar pra
ser desenhada. Pode ser a imagem de um sonho, uma foto que viu numa revista - e
mesmo a imagem de alguém que viu estuprando em um filme.
A dra.
Lilian Milnitsky Stein, no livro Falsas Memórias - Fundamentos Científicos e
suas Aplicações Clínicas e Jurídicas, diz que
Quando
a vítima faz o reconhecimento do suspeito, em vez de acessar a memória
verdadeira – aquela primeira, do assalto – a vítima, sem se dar conta, acessa a
memória errada. Isso não quer dizer que ela esteja mentindo, porque ela não
percebe que esta memória se refere apenas à do retrato falado. Outra situação
que pode confundir a vítima é colocar pessoas de biotipos diferentes na hora do
reconhecimento.
É
claro que não estamos dizendo que a vítima não sabe o que diz, que não devemos
confiar. Nada disso! O que estamos querendo dizer é que é preciso tomar
cuidado. Como diz Nietzsche: "Não existem fatos, apenas
interpretações".
2 - A
ajuda do povo nem sempre é bem vinda. Eu considero a Polícia Civil muito boa,
capacitada e tal, mas... Divulgar retrato falado é uma prova de como a polícia
ainda não tem lá todo este preparo. Cadê o serviço de inteligência para
descobrir as coisas, por meio das investigações, sem precisar colocar a
população, ávida por vingança, para "ajudar"? Um retrato falado é uma
espécie de "é mais ou menos parecido com isto, minha gente", e não
deve, nunca, ser considerado como "o real". Em épocas de Whatsapp e
Facebook, onde boatos são as novas verdades, divulgar retrato falado e esperar
boa coisa é muita ingenuidade.
3 -
Não é raro encontrar pessoas parecidas com outras. Certamente alguém já lhe
disse ou você já exclamou: “Você parece muito com uma pessoa que eu conheço!”.
Um estudo realizado pela Universidade da Carolina do Norte apontou que os
rostos das pessoas estão se tornando cada vez mais parecidos. Vejam este site
interessantíssimo: Todo el mundo tiene un doble.
Un
estudio de la Universidad de Carolina del Norte apunta que los rostros de las
personas cada vez se parecen más. Se llegó a esta conclusión tras estudiar más
de 200 cráneos españoles y portugueses de los últimos cuatro siglos.
Importantes
conclusões:
Um
retrato falado é útil, mas
Existe
a possibilidade de ao narrar o retrato falado a pessoa estar acessando falsas
memórias;
O
retrato falado deve servir para a polícia investigar;
Redes
Sociais estão se tornando o novo tribunal de Inquisição e onde injustiças,
crimes e incentivos para crimes acontecem;
E por
fim, mas não menos importante, é preciso tomar cuidado com as aparências, pois
elas enganam e um dia você pode ser confundido com outro alguém e sofrer as
dores de ter que provar que não fez o que dizem que você fez e, depois de
provar inocência, viver com as duras marcas dos estragos feitos.
Sejamos
mais responsáveis, porque digamos que alguém se pareça realmente com a pessoa
de uma foto: parecer não é ser, sendo assim "in dubio pro reo".
Wagner
Francesco
Wagner
Francesco
teólogo
e acadêmico de Direito.
Nascido
no interior da Bahia, Conceição do Coité, formado em teologia e estudante de
Direito. Pesquiso nas áreas do Direito Penal e Processo Penal. Página no
Facebook: facebook.com/wagnerfrancesco.jus
Veja mais;
http://wagnerfrancesco.jusbrasil.com.br/artigos/190271676/os-retratos-falados-e-o-problema-das-falsas-memorias?utm_campaign=newsletter-daily_20150522_1209&utm_medium=email&utm_source=newsletter
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário