Evolução histórica da jurisdição e do acesso
à justiça
A exemplo de demais institutos jurídicos, a
jurisdição e a garantia constitucional do acesso à justiça também surgiram de
uma evolução histórica, e para que se possa compreendê-los, é necessário que se
tenha um conhecimento a respeito dos seus históricos[1].
É cediço que por longos tempos o poder de
dizer o direito não era exercido pelo Estado, mas sim pelas próprias partes
conflitantes, por intermédio da autotutela, até mesmo porque não se tinha um
conceito de poder estatal.
Assim, aqueles que se vissem envolvidos em
qualquer tipo de conflito de interesses, deveriam resolvê-lo entre si e do modo
que fosse possível, prevalecendo, na maioria das vezes, a força física em
detrimento da razão jurídica[2].
Após, em um primeiro momento de forma
facultativa e depois de forma obrigatória, os conflitos passaram a ser
submetidos a arbitragem, onde uma terceira pessoa, desinteressada e imparcial,
era eleita pelos contendores para solucionar o litígio[3].
Com o passar dos tempos e principalmente após
a teoria da repartição dos Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário),
consagrada na obra “Espírito das Leis” de Montesquieu, já no Século XVII, o
Estado passou a ser o detentor do poder de aplicar e dizer o Direito[4].
A partir de então, o Estado é quem começou a
regular as relações sociais e obteve a monopolização da jurisdição.
O Ministro Luiz Fux[5], ao abordar o assunto,
ensina:
O Estado, como garantidor da paz social,
avocou para si a solução monopolizada dos conflitos intersubjetivos pela
transgressão à ordem jurídica, limitando o âmbito da autotutela. Em
consequência, dotou um de seus Poderes, o Judiciário, da atribuição de
solucionar os referidos conflitos mediante a aplicação do direito objetivo,
abstratamente concebido, ao caso concreto. [...]
No entanto, juntamente com esta
monopolização, o Estado tornou-se o responsável exclusivo em proporcionar o
acesso à justiça, sendo impelido a viabilizar e efetivamente dizer o direito
aos seus subordinados, distribuindo a justiça àqueles que a invocar.
Luiz Rodrigues Wambier[6] explica:
Se, por um lado, o Estado avoca para si a
função tutelar jurisdicional, por outro lado, em matéria de direitos subjetivos
civis, faculta ao interessado (em sentido amplo) a tarefa de provocar (ou
invocar) a atividade estatal que, via de regra, remanesce inerte, inativa, até
que aquele que tem a necessidade da tutela estatal quanto a isso se manifeste,
pedindo expressamente uma decisão a respeito de sua pretensão.
Diante desta obrigação de colocar à
disposição a tutela jurisdicional, se deu início a implantação de diversos
instrumentos que assegurassem o acesso à justiça, dentre eles, a garantia
constitucional.
Como visto, a garantia constitucional do
acesso à justiça é fruto de uma evolução histórica e de uma necessidade social,
que em razão de sua importância, foi elencada dentre os direitos e garantias
fundamentais da Constituição Federal.
2.
Garantia Constitucional do Acesso à Justiça
A garantia constitucional do acesso à
justiça, também denominada de princípio da inafastabilidade da jurisdição, está
consagrada no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal[7], que diz:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:XXXV
- a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito;
Além da Constituição Federal, o artigo 8º da
1ª Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos de São José da Costa
Rica[8], da qual o Brasil é signatário, também garante:
Art. 8º. Toda pessoa tem direito de ser
ouvida, com as garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal
competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na
apuração de qualquer acusação penal contra ela, ou para que se determinem seus
direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer
natureza.
Assim, o direito do acesso à justiça supera
uma garantia constitucional, sendo elevado a uma prerrogativa de Direitos
Humanos, revelando tamanha sua importância.
Para Uadi Lammêgo Bulos[9], o objetivo da garantia
constitucional do acesso à justiça é “difundir a mensagem de que todo homem,
independente de raça, credo, condição econômica, posição política ou social,
tem o direito de ser ouvido por um tribunal independente e imparcial, na defesa
de seu patrimônio ou liberdade.”
Logo, pode ser dito que a garantia
constitucional do acesso à justiça está intimamente ligada e se relaciona
diretamente com os demais princípios constitucionais, tais como, o da
igualdade, haja vista que o acesso à justiça não é condicionado a nenhuma
característica pessoal ou social, sendo, portanto, uma garantia ampla, geral e
irrestrita.
Kildare Gonçalves Carvalho[10] diz que a
garantia constitucional do acesso à justiça “é a inafastabilidade ao acesso ao
Judiciário, traduzida no monopólio da jurisdição, ou seja, havendo ameaça ou
lesão de direito, não pode a lei impedir o acesso ao Poder Judiciário.”
Não destoando, Luiz Fux[11], diz que:
O direito de agir, isto é, o de provocar a
prestação da tutela jurisdicional é conferido a toda pessoa física ou jurídica
diante da lesão ou ameaça de lesão a direito individual ou coletivo e tem sua
sede originária [...] na própria Magna Carta.
Resta indubitável a existência da garantia
constitucional do acesso à justiça, por intermédio da qual toda pessoa
interessada poderá invocar seu direito ou ver cessada a ameaça empregada contra
seu direito.
Afinal, “ao que se afirmar titular de
direito, se sobrevier lesão ou ameaça a esse direito, não poderá ser negado o
acesso ao Poder Judiciário”[12].
Deve ser dito ainda, que a garantia
constitucional do acesso à justiça vai além da obrigação do Estado em prestar a
tutela jurisdicional. O Estado, deve adotar meios que viabilizam e facilitam o
acesso à justiça.
Um exemplo de facilitação do acesso à justiça
é a Lei nº 1.060/50, por intermédio da qual todo aquele que não tiver condições
financeiras de arcar com as custas processuais e honorários advocatícios, ou
seja, todo aquele que não tiver condições financeiras de exercer a garantia
constitucional do acesso à justiça, poderá requerer que lhe seja deferido os
benefícios da Justiça Gratuita, ficando isento dos dispêndios financeiros.
No entanto, há de ser observado que a
garantia constitucional do acesso à justiça e seu acesso facilitado, por si só,
não são suficientes a satisfação do direito buscado, fazendo-se necessária a
existência de uma carga de efetividade sobre a prestação da tutela
jurisdicional, o que, hodiernamente, está ausente nas decisões proferidas pelos
magistrados.
3.
Efetividade da Tutela Jurisdicional
A parte, ao buscar a prestação da tutela
jurisdicional, quer ver satisfeito ou cessada a ameaça empregada contra o seu
direito. Assim, espera-se que a tutela jurisdicional prestada pelo Estado seja
efetiva e eficaz, produzindo efeitos no plano fático, o que se traduz na
efetividade da tutela jurisdicional.
Trabalhando de forma correlata à garantia
constitucional do acesso à justiça e a efetividade da tutela jurisdicional,
Luiz Rodrigues Wambier[13] ensina:
À luz dos valores e das necessidades
contemporâneas, entende-se que o direito à prestação jurisdicional (garantido
pelo princípio da inafastabilidade do controle judiciário, previsto na
Constituição)é o direito a uma proteção efetiva e eficaz, que tanto poderá ser
concedida por meio de sentença transitada em julgado, quanto por outro tipo de
decisão judicial, desde que apta e capaz de dar rendimento efetivo à norma
constitucional.
Ainda Luiz Rodrigues Wambier[14]:
[...] Mas não se trata de apenas assegurar o acesso,
o ingresso, no Judiciário. Os mecanismos processuais (i.e., os procedimentos,
os meios instrutórios, as eficácias das decisões, os meio executivos) devem ser
aptos a propiciar decisões justas, tempestivas e úteis aos jurisdicionados –
assegurando-se concretamente os bens jurídicos devidos àquele que tem razão.
Para que haja efetividade, não basta que seja
assegurado o acesso à Justiça ou facilitado seu acesso, as decisões, o
julgamento e o resultado da análise do mérito deve ser útil e apto a produzir
efeitos práticos na vida social.
Dando a devida importância a efetividade da
tutela jurisdicional, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero[15] dizem:
[...] restou claro que hoje interessa muito
mais a efetiva realização do direito material do que sua simples declaração
pela sentença de mérito. Daí, pois, a necessidade de compreender a ação como um
direito fundamental à tutela jurisdicional adequada e efetiva, como direito à
ação adequada, e não mais como simples direito ao processo e a um julgamento de
mérito. [...]
Condicionando a aplicação da garantia
constitucional do acesso à justiça a efetividade da tutela jurisdicional, Luiz
Rodrigues Wambier[16], in verbis:
[...] para que seja plenamente aplicado o
princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, previsto
naConstituiçãoo, é necessário que a tutela prestada seja efetiva. [...] Na
clássica definição de Chiovenda, tem-se que o processo será efetivo se for
capaz de proporcionar ao credor a satisfação da obrigação, como se ela tivesse
sido cumprida espontaneamente e, assim, dar-se ao credor tudo aquilo a que ele
tem direito.
No mesmo sentido, Luiz Fux[17]:
Desígnio maior do processo além de dar razão
a quem efetivamente a tem-na, é fazer com que o lesado recomponha o seu
patrimônio pelo descumprimento da ordem jurídica, sem que sinta os efeitos do
inadimplemento. Por isso que compete ao Estado repor as coisas ao statu quo
ante utilizando-se de meios de sub-rogação capazes de conferir à parte a mesma
utilidade que obteria pelo cumprimento espontâneo.
Neste aspecto, há de ser dito que não são
raros os casos submetidos ao Poder Judiciário que ocorre a declaração do
direito, no entanto, a parte vencedora não enxerga em efeitos práticos o
direito que lhe foi declarado, pois falta a efetividade na tutela
jurisdicional.
Em razão desta ineficácia, a autotutela ainda
que proibida pelo ordenamento jurídico (artigo 345 do Código Penal), torna-se
em algumas situações, mais vantajosa do que a tutela jurisdicional prestada
pelo Estado, o que, sem dúvidas, é um retrocesso cultural e social.
Como visto no início deste estudo, o Estado,
ao avocar para si o poder de dizer o Direito, também tornou-se o responsável
pela distribuição e acesso à justiça, contudo, não basta proporcionar o acesso
aos seus jurisdicionados, “garantir a efetividade de suas decisões é a
contrapartida que o Estado tem que dar à proibição da autotutela”[18].
Assim, muito embora a garantia constitucional
do acesso à justiça seja um relevante direito assegurado pela Constituição
Federal, a efetividade e a eficácia da tutela jurisdicional são as grandes
responsáveis pela satisfação e produção de efeitos no plano fático, logo, de
quase nada adianta ter acesso à justiça se esta é ineficaz, pois, “garantir às
pessoas a tutela jurisdicional e prestar-lhes a tutela inefetiva e ineficaz é
quase o mesmo que não prestar a tutela”[19].
http://djonatanh01.jusbrasil.com.br/artigos/111943370/garantia-constitucional-do-acesso-a-justica-e-a-efetividade-da-tutela-jurisdicional?utm_campaign=newsletter&utm_medium=email&utm_source=newsletter
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