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Jurisprudência comentada: prazo para remoção de mensagem
ofensiva em rede social (REsp. 1.323.754/RJ)
Terceira Turma – REDES SOCIAIS. MENSAGEM OFENSIVA. REMOÇÃO.
PRAZO
A Turma entendeu que, uma vez notificado de que determinado
texto ou imagem possui conteúdo ilícito, o provedor deve retirar o material do
ar no prazo de 24 horas, sob pena de responder solidariamente com o autor
direto do dano, pela omissão praticada. Consignou-se que, nesse prazo (de 24
horas), o provedor não está obrigado a analisar o teor da denúncia recebida,
devendo apenas promover a suspensão preventiva das respectivas páginas, até que
tenha tempo hábil para apreciar a veracidade das alegações, de modo que,
confirmando-as, exclua definitivamente o perfil ou, tendo-as por infundadas,
restabeleça o seu livre acesso. Entretanto, ressaltou-se que o diferimento da
análise do teor das denúncias não significa que o provedor poderá postergá-la
por tempo indeterminado, deixando sem satisfação o usuário cujo perfil venha a
ser provisoriamente suspenso. Assim, frisou-se que cabe ao provedor, o mais
breve possível, dar uma solução final para o caso, confirmando a remoção
definitiva da página de conteúdo ofensivo ou, ausente indício de ilegalidade,
recolocá-la no ar, adotando, na última hipótese, as providências legais
cabíveis contra os que abusarem da prerrogativa de denunciar. Por fim,
salientou-se que, tendo em vista a velocidade com que as informações circulam
no meio virtual, é indispensável que sejam adotadas, célere e enfaticamente,
medidas tendentes a coibir a divulgação de conteúdos depreciativos e
aviltantes, de sorte a reduzir potencialmente a disseminação do insulto, a fim
de minimizar os nefastos efeitos inerentes a dados dessa natureza. REsp
1.323.754-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 19/6/2012.
Síntese: Ao julgar a matéria objeto dos comentários que se
seguem, a Terceira Turma do STJ finalmente definiu o prazo considerado razoável
para que os provedores de páginas da internet retirem do ar os conteúdos
abusivos denunciados pelos usuários, qual seja, 24 (vinte e quatro) horas. No
caso, a Google levou mais de dois meses para retirar do ar o conteúdo
denunciado como abusivo pela autora da ação, reconhecendo que esse ínterim
afigura-se despido de razoabilidade. Asseverou, ainda, que não cabe ao provedor
analisar o mérito da denúncia feita pelo usuário, tendo tal prazo natureza
acautelatória, sendo que, caso seja desobedecido, poderá o provedor ser
responsabilizado solidariamente, por omissão, junto com o autor da ofensa.
COMENTÁRIOS:
O primeiro ponto relevante a ser destacado neste julgado
refere-se à indefinição do prazo considerado razoável para que os provedores
retirem do ar os conteúdos considerados abusivos, impróprios etc., por quem os
denunciar. A relatora do processo - Ministra Nancy Andrighi consignou no
acórdão que, antes dessa decisão, ambos os colegiados de Direito Privado do STJ
(3ª e 4ª Turmas) já reconheciam a necessidade de bloqueio desse tipo de
informação, porém, não chegaram a definir qual seria esse prazo. A esse
respeito, confira-se: REsp. 1.186.616/MG, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi,
DJe de 31.08.2011 e REsp 1.175.675/RS, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão,
DJe de 20.09.2011.
Com relação ao último aresto acima referido, na origem a
decisão monocrática havia considerado como razoável o prazo de 48 (quarenta e
oito horas) para que a Google retirasse do ar toda e qualquer manifestação
difamatória à pessoa do autor da ação, mas, sobrevindo o recurso especial, a 4ª
Turma, como dito, nada sedimentou acerca do prazo para que tal providência
fosse tomada pelo provedor, o que só veio a ocorrer no processo que deu origem
ao acórdão em estudo.
O segundo ponto que merece destaque reside exatamente na
polêmica envolvendo a medida drástica de remoção do conteúdo denunciado. Mal a
decisão veio ao conhecimento público, vozes já se levantaram acusando-a de
ofensiva à liberdade de expressão, consagrada no Texto Maior (art. 5º, IV).
Comentando o acórdão, o advogado Guilherme Damásio Goulart, em artigo publicado
na revista Consultor Jurídico assim se manifestou:
“Não se discute o fato de que a decisão procura equacionar e
compatibilizar, basicamente, dois interesses: por um lado a liberdade de
expressão e, por outro, a proteção daqueles que forem lesados por meio de
conteúdos ofensivos. No entanto, não pode ser afastado o fato de que a
definição da ilicitude de um material publicado na internet deve passar
obrigatoriamente pelo crivo do Judiciário. No afã de proteger os interesses dos
ofendidos na internet, a decisão estabelece a desnecessidade de recorrer ao
Judiciário, dando aos provedores o poder de "julgar" o que venha a
ser um "conteúdo desabonador". O raciocínio é perigoso e, se aplicado
a outras situações, pode gerar situações bastante perigosas para a própria
liberdade de expressão”
(http://www.conjur.com.br/2012-jun-26/definir-prazo-retirada-conteudo-internet-precedente-perigoso).
Opinião semelhante foi exarada pelo também advogado Gustavo
Rocha, que assim pontuou:
“Ou seja, mesmo diante de nenhum pedido oficial, nenhuma ação,
nenhum tipo de crivo, basta alguém clicar em denuncio e isto será tirado do ar?
Então, se eu escrevo dizendo que gosto mais do Iphone do que
de um Samsung, um usuário do Samsung, não concordante da minha opinião, clicará
em denuncio o conteúdo e o facebook (por exemplo) terá que tirar do ar o meu
artigo/tese/opinião…
Arriscado. Como bem delimitou o colega Kaminski, em ano
eleitoral isto será uma balbúrdia. Será uma enxurrada de pedidos de denuncio
dentro das redes sociais e cada vez que não atendidos, demandas e mais demandas
judiciais, com base num paradigma decidido na semana passada.
E a minha liberdade (já amplamente vigiada pela Constituição e
leis civis) onde anda?
Ainda prefiro uma decisão judicial a ser obedecida do que uma
ideia de padronizar algo que não é igual, ou seja, um exemplo típico de
injustiça (ser desigual aos iguais).
Tomara que seja uma decisão isolada (senão este artigo será
censurado com denuncio em redes sociais)…”
(http://gestao.adv.br/index.php/redes-sociais-ofensas-24-horaseo-judiciario/)
Apesar das respeitáveis opiniões, é de se concordar com a
decisão proferida pela Terceira Turma.
Em primeiro lugar, entendemos que não se trata de “julgamento”
à margem do Poder Judiciário, como colocado por Guilherme Damásio Goulart, pois
o STJ demarcou apropriadamente a questão, ao consignar, expressamente, que a
medida possui caráter preventivo, fundamentando o entendimento pretoriano na
técnica de ponderação de princípios, como bem destacado pela ministra relatora
em seu voto condutor, com destaque para o seguinte trecho:
“Embora esse procedimento possa eventualmente violar direitos
daqueles usuários cujas páginas venham a ser indevidamente suprimidas, ainda
que em caráter temporário, essa violação deve ser confrontada com os danos
advindos da divulgação de informações injuriosas, sendo certo que, sopesados os
prejuízos envolvidos, o fiel da balança pende indiscutivelmente para o lado da
proteção da dignidade e da honra dos que navegam na rede”.
Assim, no caso concreto, é de se concordar inteiramente com o
afastamento momentâneo do princípio que garante o direito fundamental à
liberdade de expressão, fazendo com que sobre ele prevaleça o superprincípio da
dignidade humana, de modo a proteger os direitos da personalidade de outrem.
Ademais, cabe destacar que, a nosso aviso, a retirada do ar de
conteúdo supostamente ilícito pelo prazo exíguo de 24 horas não pode
caracterizar ofensa substancial à liberdade de expressão quando, por outro
lado, estiver em evidência potencial ofensa à honra, liberdade, intimidade,
privacidade etc. Em outras palavras, para quem ventila o conteúdo supostamente
ilícito (ao menos em tese), não conseguimos visualizar nenhum prejuízo
substancial. Mas, o contrário não pode ser dito para quem esteja exposto à
possível ofensa, pois em razão da velocidade com que os conteúdos circulam na
grande rede, algo depreciativo adquire proporções bem maiores e consequências
mais graves, conforme considerado pela Turma.
Em segundo lugar, acaso alguém se lance a denunciar conteúdos
alheios, sabedores de que não contém qualquer ilicitude, abusividade,
impropriedade etc., como ventilado por Gustavo Rocha, certamente incorrerá em
abuso de direito, caracterizado como ato ilícito, consoante disposto no art.
187 do Código Civil:
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito
que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim
econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Não foi outra a conclusão da Turma julgadora, que assim se
pronunciou sobre esse ponto específico:
“Ademais, o diferimento da análise do teor das denúncias não
significa que o provedor poderá postergá-la por tempo indeterminado, deixando
sem satisfação o usuário cujo perfil venha a ser provisoriamente suspenso. Cabe
ao provedor, o mais breve possível, dar uma solução final para o caso,
confirmando a remoção definitiva da página de conteúdo ofensivo ou, ausente
indício de ilegalidade, recolocando-a no ar, adotando, nessa última hipótese,
as providências legais cabíveis contra os que abusarem da prerrogativa de
denunciar.” (destaque nosso).
Sendo assim, se alguém, agindo abusivamente, denunciar um
conteúdo que saiba não ser ilícito, fazendo-o por puro capricho ou com o
objetivo de provocar, lesar, se vingar; enfim, visando prejudicar outrem,
estará agindo de má-fé, e consequentemente de forma ilícita, o que autoriza a
parte lesada a reclamar a respectiva indenização caso sofra um dano em
decorrência da conduta daquele que denuncia abusivamente.
No que toca especificamente ao caso em comento, outro importante
fato merece atenção, e se relaciona com o argumento no sentido da alegada
inviabilidade técnica de se proceder ao controle de conteúdos na internet.
Consta do acórdão que:
“No que tange à viabilidade técnica de se proceder à exclusão
em tempo tão exíguo, consta da sentença que a própria GOOGLE informa aos
usuários que, feita a reclamação por intermédio da ferramenta ‘denúncia de
abusos’ e concluindo-se que ‘o conteúdo denunciado viola as leis vigentes no
mundo real ou infringe as políticas do Orkut, poderemos removê-lo imediatamente
e reportar as informações às autoridades competentes”.
Esse detalhe é de suma importância, pois somente vem a
corroborar a responsabilidade expressamente assumida pelo provedor, no sentido
de dispor de ferramentas eficientes ao controle de conteúdo. Sendo assim, se o
provedor cria suas próprias regras, segundo as quais assume o dever de remover
conteúdos abusivos, não pode, em momento posterior alegar que não dispõe de
meios para cumpri-las. Omitindo-se, deve responder solidariamente pelos danos
eventualmente causados ao ofendido pelo conteúdo não removido.
Finalmente, a nosso juízo, a decisão da 3ª Turma do STJ,
apesar das críticas que recebe, merece aplausos, pois mostra-se perfeitamente
fiel e harmônica com os princípios supremos que norteiam nosso ordenamento
jurídico, na medida em que se preocupa exatamente em delimitar um lapso
temporal para que nenhum dos direitos fundamentais envolvidos (dignidade humana
e liberdade de expressão) restem prejudicados.
Veja mais;
http://vitorgug.jusbrasil.com.br/artigos/112330651/jurisprudencia-comentada-prazo-para-remocao-de-mensagem-ofensiva-em-rede-social-resp-1323754-rj?utm_campaign=newsletter&utm_medium=email&utm_source=newsletter
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