Responsabilidade civil
do cirurgião plástico: obrigação de meio e não de resultado
Resumo: Este trabalho
apresenta o estudo da responsabilidade civil do cirurgião plástico sob a
perspectiva do “erro médico” ser classificado como obrigação de meio e não de
resultado. Busca-se contribuir – sem a mínima pretensão de esgotar o assunto –
com novas ideias e pensamento dos mais variados autores da área do Direito
Médico, ressalte-se, ramo da ciência do direito em bastante evolução e com
grandes desafios nos vindouros anos. Parte do princípio de que a base para a
excludente de qualquer responsabilidade civil, na relação médico-paciente,
reside no consentimento informado e na escolha esclarecida dos procedimentos a
serem desenvolvidos na prática médica.
Palavras-chave: Direito
Civil. Responsabilidade Civil. Medicina. Prática na cirurgia plástica. Erro
Médico. Legislação. Jurisprudência.
Abstract: This paper presents the study of plastic
surgeon's civil liability under the perspective of the "medical
error" that is classified as obligation of means and not of aims. We seek
to contribute - without the slightest pretense of exhausting the subject - with
new ideas and thoughts of various authors in the area of Medical Law, however,
it is a branch of science of law in very large developments and challenges in
the coming years. Assumes that the basis for excluding any liability in the
doctor-patient relationship, lies in the informed consent and informed choice
of procedures to be developed in medical practice.
Keywords: Civil Law. Civil Liability. Medicine.
Practice in plastic surgery. Medical
Error. Legislation. Jurisprudence.
Introdução
O Direito Médico ou
Direito da Saúde, no decorrer das últimas duas décadas vem galgando status de
novo ramo do Direito no Brasil, logo ganhando notável espaço nas discussões
jurídicas dos Tribunais mundo afora e conquistando grande importância e
representatividade em conexão de duas das maiores, mais antigas e importantes
ciências da humanidade: a médica e a jurídica.
O desafio do presente
trabalho é contribuir com os estudos acadêmicos em relação ao tema proposto. Insta
salientar que, a referida temática trás uma riqueza em termos de conhecimentos
específicos, sendo, portanto, de grande relevância no atual momento da
medicina, onde o até então paciente agora ganhou características de cliente
dado à sistemática ofertada pelo Código de Defesa do Consumidor.
O objetivo deste
trabalho é sistematizar o estudo acerca da responsabilidade do médico cirurgião
plástico no exercício de suas funções, a classificação de sua obrigação com o
paciente, seus deveres, assim como a sua aplicação frente ao chamado “erro
médico”. Há que se considerar ainda, a nova aplicação na Legislação Civil
Brasileira, Código de Defesa do Consumidor e Jurisprudência dos Tribunais
Pátrios, logo, a ótico analisada é fruto de estudos recentes e que visam modificar
a visão retrograda de alguns doutrinadores.
A problemática
enfrentada no estudo, não é outra a não ser combater a ânsia da sociedade e
operadores do direito imbuídos na tentativa de punir a todo custo profissionais
da saúde que visam proceder de forma honesta seu trabalho, todavia, deveres
lhes são atribuídos a fim de que excluam a possibilidade de qualquer punição
por via da adequada e necessária informação e técnicas procedimentais corretas.
Desta forma, a
metodologia empregada busca desenvolver uma sucinta visão acerca do tema, a fim
de possibilitar ao leitor deste trabalho uma linguagem mais fácil, sem perder a
maturidade que o tema demanda, conseguinte, iremos expor a pesquisa em três
partes: a primeira tratando da responsabilidade civil advinda do erro médico em
sentido lato, adiante abordaremos a questão da aplicação do Código de Defesa do
Consumidor à atividade médica, vale dizer aduzindo ainda as diferenças entre o
consentimento informado e a escolha esclarecida, tudo isto como excludente de
responsabilidade civil na relação médico paciente e por fim, fundamentaremos
acerca da cirurgia plástica como obrigação de meio, ou seja, o cerne da
problemática adiante enfrentada a luz da atual jurisprudência.
Merece destaque o fato
de que a massificação do entendimento de que o Direito Médico trata-se de um
novo ramo do Direito, decorre de várias questões, como exemplos temos o fato de
vários profissionais da saúde vivenciarem o péssimo sabor de responderem a
demandas jurídicas – muitas vezes infundadas, o progresso das ciências
biológicas, informações sobre o genoma humano, enfim, as questões que
modificaram e modificarão ainda mais as relações do homem com o meio social e
conseguinte, chegaram e chegarão aos conflitos com as ciências jurídicas que, como
sabemos, tem natureza conservadora.
É sedimentado o
entendimento de que o Estado Democrático de Direito tem como fundamento
primeiro a dignidade da pessoa humana, qualidade esta intrínseca e própria de
cada homem, todavia, o que pensar acerca das prováveis manipulações de
materiais genéticos, onde a capacidade de prevenir, tratar e curar doenças
poderá se transformar numa oportunidade de discriminar pessoas. Os direitos
individuais insculpidos na Ordem Constitucional não poderão ser rechaçados
frente às oportunidades advindas do poder aquisitivo. É neste cenário que com a
máxima certeza cravamos o Direito Médico como um ramo do Direito. Temas
intrigantes e altamente discutíveis existem e continuarão a existir.
Neste sentido, a
primeira observação a ser feita se refere ao fato de que a expressão “erro
médico” não recai somente à pessoa do médico. Ora, é sabido que no exercício
deste mister estão envolvidos vários outros profissionais na assistência à
saúde, portanto, agentes indispensáveis à prática da medicina. Logo, é preciso
observar que a atribuição da responsabilidade pelo dano/lesão causado ao
doente/paciente aumentou, vale dizer, para além da pessoa do médico.
Impende ressaltar que,
os agentes da saúde antes de qualquer coisa são seres humanos e logicamente
exercem atividade humana, de tal sorte que, um fim não desejado em qualquer que
seja a área de atuação pode acontecer – e acontece -, mesmo quando aquele ato é
praticado por profissionais com alto renome, com competência reconhecida e
atestada por todos.
1 Do erro médico em
sentido amplo
Preliminarmente, insta
consignar que desde o Código de Hamurabi, o instituto da Responsabilidade Civil
Médica teve seu campo de atuação. Neste sentido, é sabido por todos que desde a
elaboração desse código até os dias atuais ocorreram muitas variações e
mudanças no que diz respeito ao chamado “erro médico”. É neste cenário que com
a evolução da humanidade e da medicina, o homem passou a estar sujeito a
acidentes que poderiam comprometer sua integridade física, deste modo à
medicina veio a amenizar esses infortúnios, todavia, concomitantemente
começaram a surgir problemas referentes à prática da atividade médica e,
consequentemente o aparecimento do direito para intervir nestas relações.
De acordo com Décio
Policastro (2010, p. 2):
A expressão erro médico
[...] deve ser compreendida como qualquer situação indesejada ocorrida na
prestação do serviço de assistência à saúde, pois considera, de forma
abrangente, os envolvidos na cadeia de assistência ao enfermo: o médico, o
profissional da saúde em geral e as entidades atuantes na área.
A doutrina de
Policastro nos guia que o erro médico pode ocorrer de vários modos; erro
técnico ou má prática profissional, conduta imprópria ou inadequada, falha ou
falta médica. Fala-se ainda em ato omissivo (há uma ação, um agir) ou comissivo
(falta atividade, falta ação).
Ainda nas lições do
referido autor:
Qualquer termo
empregado e o tipo de erro – erro de diagnóstico, erro no procedimento, erro na
escolha de terapia, falta de procedimento terápico, erro na prescrição de
medicamento, falha no atendimento, deficiência nos serviços [...] produzido por
uma conduta inadequada ou mal praticada, um proceder imperito, negligente ou
imprudente [...], apto a agravar a saúde, pôr em risco ou destruir avida do
paciente. (POLICASTRO, 2010, p.2).
A evolução social
trazida com o passar dos tempos se sedimentou com a mudança na consciência das
pessoas, vale dizer levando-as a melhor perceberem o direito que lhes são
assegurados frente aos acontecimentos frente à prática da medicina. A
informação hoje em dia se tornou muito fácil de ser obtida, a internet, os
jornais, revistas e demais meios de comunicação trazem em suas manchetes
relações médico-paciente, tudo isto denota maior percepção da população com o
tema.
Neste sentido, do que
era simples relacionamento entre médico e paciente, surgiram mais deveres para
um e maiores direitos para outro.
Infere-se da doutrina,
que o erro médico pode surgir da responsabilidade contratual ou
extracontratual. Deste modo, será contratual aquela relação que surgiu quando
condicionada a prestação de serviço verbal, por escrito ou tacitamente
(implícito). Será extracontratual quando, embora sem prévia existência de um contrato,
um acontecimento imprevisto e grave cause situação de tamanha emergência que
obrigue o médico a intervir para dar assistência de urgência a alguém, vale
dizer, calamidades, desastres, vítima de mal súbito, acidente em via pública.
De mais a mais, na
seara Direito Civil o erro médico vincula-se a responsabilização do causador do
dano sob o foco do ressarcimento do prejuízo causado/responsabilidade civil,
todavia, no campo do Direito Penal, incide na penalização do culpado em
decorrência de conduta ilícita causadora de lesão física ou até mesmo de
homicídio culposo.
Então, temos que a
responsabilidade civil nada mais é do que a responsabilidade imposta à
determinada pessoa de reparar os danos causados a outrem por fato próprio ou
por fato de pessoas ou coisas a ela vinculadas. Logo, para o mundo jurídico
tais concepções podem facilmente ser observadas sob uma visão baseada no dever
inerente ao indivíduo causador do dano de recompor um prejuízo, conseguinte
restabelecendo o status quo ante e recompondo o equilíbrio e harmonia
anteriores a conduta deste.
É cediço que a
responsabilidade médica se inicia quando o profissional da saúde, atuando de
forma pública ou privada, dispõe-se a assistir o enfermo a encontrar a cura,
diminuir seus efeitos/sofrimento, intervir cirurgicamente em determinado
procedimento (podendo aqui incluir a cirurgia plástico-corretiva), prescrever
determinado remédio a paciente.
Sob a ótica do
ordenamento jurídico brasileiro, em especial o Código Civil de 2002, infere-se
que tal instrumento reparador da ordem se condensa em um dever jurídico
sucessivo que se irradia na violação de um dever jurídico principal ou inicial
que determina a reparação do dano.
O comando legal que
ampara o entendido supra, está insculpido nos artigos 186 e 927 da codificação
retro informada, vejamos:
Art. 186. Aquele que,
por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e
causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
[...]
Art. 927. Aquele que,
por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a
repará-lo. (BRASIL, Internet)
Sublinhado isto, há que
se ressaltar ainda que, para que se torne evidente o dever de indenizar, é
fundamental que haja a comprovação de alguns requisitos específicos, dentre os
quais; a conduta do agente se dividindo em ação ou omissão, o dano ou prejuízo
– patrimonial ou extrapatrimonial - sob pena de se considerar apenas uma
responsabilidade moral; a relação de causa e efeito, nexo de causalidade,
dentre as quais às excludentes de responsabilidade – fato exclusivo de
terceiro, culpa exclusiva da vítima, o caso fortuito, a força maior -, e em
seguida a comprovação do dolo ou da culpa.
Por outro lado, o
diploma legal que respalda e lança parâmetros a serem traçados pelo médico no
desenvolver de suas atividades é o Código de Ética Médica 3, o qual disciplina
em seus dispositivos o comando em que à saúde do ser humano é alvo de toda
atenção médica, exigindo, assim, do profissional uma atuação com máximo de zelo
e capacitação, possui aspectos deontológicos da profissão.
Todavia, não é somente
o Código de Ética Médica que tutela a relação médico x paciente, surge então à
figura do Código de Defesa do Consumidor, vale dizer, para preencher uma lacuna
existente em nosso ordenamento jurídico no sentido de uma necessária legislação
específica.
Em detrimento ao Código
Civil de 2002, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) sobre ele prevalece em
razão de sua especificidade e melhor adequação aos direitos aqui guerreados. No
CDC, o cidadão encontrou instrumentos eficazes e capazes de fazer prevalecer
alguns de seus direitos então esquecido pelo ordenamento jurídico pátrio.
É dessa forma que a
relação Médico x Paciente pode ser caracterizada como verdadeira relação de
consumo. Ora, na referida relação temos que o profissional da saúde realiza uma
caracterizada prestação de serviços, logo, o Cliente/Paciente incide diretamente
no dispositivo do artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor – o consumidor -,
todavia, o Médico no artigo 3º do mesmo diploma legal – prestação de serviços.
Entretanto deve-se ter
cautela na afirmação do binômio Código de Defesa do Consumidor e Código de
Ética Médica como instrumentos reguladores da atividade aqui debatida, é
elementar o conhecimento do profissional da saúde da questão da autonomia e do
dever de informação sob a égide dos princípios éticos da profissão.
2 Do consentimento
informado e da escolha esclarecida
É necessário o Médico
ter o conhecimento necessário de que seus atos devem estar resguardados na
escolha esclarecida e no dever de informação em relação aos procedimentos
desenvolvidos na relação. A ausência da necessária informação consubstancia-se
em determinada negligência no proceder.
A informação e o
aconselhamento ao paciente e sua família não podem ser esquecidos, vale citar o
consentimento informado e a escolha esclarecida, contudo, o Médico deve se
respaldar através dos chamados “Termos de Consentimento”, que deve conter as
informações necessárias ao paciente sobre tudo que circunda aquele
procedimento, ainda para adicionar segurança ao Médico o Prontuário Médico.
Todavia, não devemos
pensar que consentimento informado e efetiva prestação da obrigação de informar
são coisas comuns, pelo contrário, ou seja, a obrigação de informar é apenas
parte do consentimento informado.
Nesse diapasão, tomamos
como base os ensinamentos de Luciana Mendes Roberto (2005, p. 88-96),
O consentimento
informado é o consentimento dado pelo paciente, baseado no conhecimento da
natureza do procedimento a ser submetido e dos riscos, possíveis complicações,
benefícios e alternativas de tratamento”. Ou seja, é uma concordância na
aceitação dos serviços a serem prestados pelo profissional da saúde em troca de
pagamento do paciente ou responsável, estando este informado adequadamente do
que está consentindo. [...] Pode-se afirmar, por fim, que, como ato jurídico em
sentido estrito, o consentimento informado tem seus efeitos limitados à
manifestação de vontade do paciente, não gerando direitos ao profissional da
saúde. Cumpre, assim, sua função social implícita no art. 104 do Código Civil,
que dispõe sobre os elementos formadores no negócio jurídico, aplicável ao ato
jurídico conforme o artigo 166, VI, pois o negócio jurídico é nulo quando tiver
por objetivo fraudar lei imperativa.
Ao tratar do tema Maria
Helena Diniz, expoente da doutrina nacional, reconhece o direito à autonomia e
a importância do processo de consentimento informado:
O paciente tem o
direito de opor-se a uma terapia, de optar por tratamento mais adequado ou
menos rigoroso, de aceitar ou não uma intervenção cirúrgica, de mudar ou não de
médico ou hospital, etc. O objetivo do princípio do consentimento informado é
aumentar, como diz Mark Hall, a autonomia pessoal das decisões que afetam o bem
estar físico e psíquico. [...] Esse direito de autodeterminação dá origem ao
dever erga omnes de respeitá-lo, fundamentando no princípio da dignidade da
pessoa humana. [...] Esse consentimento dado pelo paciente, após receber a
informação médica feita nos termos compreensíveis, ou seja, de maneira mais
adequada e eficiente, é uma condição indispensável da relação médico paciente,
por ser uma decisão que leva em consideração os objetivos, os valores, as
preferências e necessidades do paciente, e por ele tomadas depois da avaliação
dos riscos e benefícios. (DINIZ, 2010, 534-536).
Há que se discutir
ainda a questão do ônus da prova, tudo isto em vista da responsabilidade
advinda de erro médico. Neste caso, o Juiz não está obrigado a inverter o ônus
da prova. O Magistrado pode decidir livremente, como também pode inverter o
ônus probante quando presente a verossimilhança das alegações aduzidas pelas
partes ou quando se tratar de prejudicado hipossuficiente.
Ao Juiz é dado o seu
poder discricionário para solucionar as lides encontrando a solução que mais se
enquadre e solucione o embate, contudo, deve ter sempre em mente que cada caso
é um caso, cada problema diverge do outro.
O mesmo questionamento
fora levantado com propriedade por Paulo Fortes (2007, p. 23-24):
A lei nº 10.241/99
incorporou o princípio do “consentimento livre e esclarecido” que poucos anos
antes de sua promulgação havia sido proposto para regulamentação ética de
pesquisas envolvendo seres humanos, por meio da Resolução do Conselho Nacional
de Saúde CNS nº 196/96. O artigo 2º, VII, da Resolução, afirma que o paciente
tem o direito de consentir ou recusar, de forma livre, voluntária e
esclarecida, com adequada informação, a procedimentos diagnósticos e
terapêuticos a serem realizados. Entende-se que para que o consentimento seja
esclarecido, as informações devem ser compreendidas pelos pacientes. Assim,
deve-se distinguir entre o consentimento informado e pós-informado e o
consentimento esclarecido. Uma pessoa pode ser informada, mas isto não
significa que esteja esclarecida, caso ela não compreenda o sentido das
informações e, principalmente, se estas não forem adaptadas às suas
circunstâncias culturais e ao momento psicológico que está vivenciando”.
A doutrina
internacional também não pensa diferente quando trata do consentimento
informado e da escolha esclarecida, vale dizer os ensinamentos do escritor
português André Pereira ganham corpo no mundo inteiro:
Mais recentemente,
alguns autores vêm propondo um conceito mais abrangente. Assim na doutrina
anglo-saxônica critica-se a expressão informed consent, visto que a informação
é apenas um aspecto do consentimento esclarecido (‘comprehensive or enlightened
cobsebt’). Assim, vem sendo proposta a utilização da expressão informed choise.
Este conceito teria a virtude de abranger, entre outros aspectos, a informação
sobre as consequências da recusa ou revogação do consentimento, as alternativas
terapêuticas, a escolha dos medicamentos (o que implica alterações à
regulamentação da publicidade dos medicamentos, a escolha do estabelecimento de
saúde, etc.). No direito português encontramos consagrado o ‘direito a
informação sobre os serviços de saúde existentes’ e o direito a livre escolha
do médico’, e ainda o direito à ‘segunda opinião’. Tudo aspectos que vão para
além do simples consentimento livre e esclarecido. São expressões avançadas do
direito ao consentimento informado, na sua vertente mais moderna de informed
choise: a autodeterminação nos cuidados de saúde implica, não só que o paciente
consinta ou recuse uma (heteronomamente) determinada intervenção, mas que tenha
todos os elementos de análise sobre as possibilidades de tratamento possíveis,
no domínio médico, cirúrgico e farmacêutico. (PEREIRA, 2004, p. 74).
Após toda a explanação
acerca do dever de informar, torna-se imperioso ressaltar que a ausência de
preenchimento de todos os requisitos que garantam o cumprimento da escolha
esclarecida e do consentimento informado por parte do médico, pode ocasionar a
outra situação bastante discutida mundo afora. Trata-se da teoria da perda de
uma chance, vale dizer ainda em desenvolvimento no Brasil, embora bastante
sedimentada principalmente na França e na Itália, aqui pelas razões pertinentes
ao trabalho chamaremos de perda de uma chance de cura.
Caso o paciente não
tenha sido corretamente esclarecido sobre todas as possibilidades existentes
para o seu tratamento, terá conseguintemente menos uma alternativa a ser
seguida, quem sabe a melhor, a menos invasiva ao corpo humano, alternativa que
em não sendo oferecida a necessária informação, faz com que a possível escolha
não exposta seja perdida.
Ou seja, o ponto
principal desta teoria não é a certeza de um resultado favorável, mas sim o
fato de que o paciente ou vítima experimente a amarga perda de uma chance ou
probabilidade da ocorrência de um evento favorável.
Logo, passou-se a
admitir a existência de um direito à indenização pela perda da possibilidade de
se auferir uma vantagem, e não pela perda da própria vantagem. No Brasil, o
dispositivo legal que fornece guarida a mencionada teoria é o artigo 186 e
seguintes do Código Civil de 2002.
Ao tratar do tema,
Rafael Pereffi assevera que:
A reparação pela quebra
do dever de informar ocorre sempre que uma pessoa, que deveria ter sido bem
informada, venha a sofrer um dano que poderia ter sido evitado pela informação
adequada. Entretanto, nota-se uma característica da reparação pela quebra do
dever de informar que a diferencia das outras utilizações da perda de uma
chance: a realização do dano depende da atitude da vítima. (SILVA, 2007,
p.156).
Ainda nesse sentido, o
mesmo autor leciona:
Decisões nesse sentido
já haviam sido observadas em tempos pretéritos. O Tribunal de Bourdeaux, em
1965, condenara um médico pela quebra do dever de informar, argumentando que a
obrigação médica é normalmente uma obrigação de meios, na qual o médico não é
responsabilizado se agir de acordo com as normas técnicas consagradas. Contudo,
se não informar ao paciente dos riscos inerentes a determinada terapêutica,
impossibilitando que ele livremente declare que concorda em se submeter aos
riscos da terapêutica, o médico passa a responder pelos riscos para os quais
não foi dada autorização. Desde o começo da década de 1990, contudo, os
pretórios vêm utilizando a noção da perda de uma chance, de maneira
majoritária, para conceder a reparação pela quebra do dever de informar. Em 7
de junho de 1989, a Corte de Cassação concedeu a reparação pela perda de uma
chance de melhoria do estado de saúde de um paciente que se havia submetido a
uma intervenção cirúrgica cujo resultado não foi positivo. A Corte afirmou que
houve falha médica, não em relação a técnica empregada na cirurgia, mas pela
quebra do dever de conselho, tendo em vista que não foi dado ao paciente a
opção de se submeter a uma segunda operação de forma imediata, fato que poderia
vir a melhorar consideravelmente o seu estado de saúde”. (SILVA, 2007, p.158)
O mesmo pensamento é
ainda contemplado por Miguel Kfouri, quando escreve que:
Na jurisprudência
clássica, a perda de uma chance possibilita à vítima obter uma indenização
junto a quem, por culpa, prive-a de alguma chance de obter determinada
vantagem. [...] Esta teoria foi transportada para a área médica sob a rubrica
de perte d’une chance de survier ou de guérison (perda de uma chance de cura ou
de sobrevivência). A Câmara Civil da Corte de Cassação, em 1965, considerou
que, caso o médico seu cliente perder uma chance de cura ou sobrevivência,
obriga-se à reparação parcial do dano, mesmo que o nexo de causalidade entre a
ação culposa do médico e o resultado não possa ser estabelecido com certeza.
(KFOURI NETO, 2002, p. 96-97)
Neste sentido,
percebe-se que o direito à autonomia está presente por todo o ordenamento
jurídico brasileiro, vale dizer é reconhecido de forma contundente, devendo o
seu exercício ser respeitado tanto sob o ponto de vista ético quando o sob o
prima legal. Portanto, o consentimento informado ou pós-informado não deve ser
encarado isoladamente, deve ser visualizado de uma forma mais ampla que é a
escolha esclarecida onde a vontade autônoma do paciente é respeitada e exercida
sob o manto do dever de informação.
Por último e não menos
importante, há que se ressaltar que o esclarecimento vai além da informação,
pois o paciente pode ter sido informado, mas não esclarecido, não ter
compreendido perfeitamente as palavras do profissional da medicina, seja porque
não foram claras o suficiente, seja porque não tenham sido adequadas à sua
linguagem. Logo, o princípio da autonomia é o pilar do consentimento informado,
uma vez que a base da relação médico e paciente é a qualidade da informação,
por isso, para a perfeita correlação um e outro é a atenção, o cuidado,
paciência e lealdade.
Desta forma, é
necessário ter a consciência de que os preceitos legais relativos ao dever de
prestar informação correta, completa e adequada, e à autonomia do paciente,
precisam ser observados e respeitados, todavia não é tarefa fácil em razão da
conhecida falta de tempo dos profissionais médicos, a inadequada capacidade das
instalações físicas do serviços de saúde, a incapacidade do paciente leigo em
entender as informações, ou mesmo querer recebê-las, a elevada demanda nos
serviços públicas, enfim, tudo isto, compromete a observância dos preceitos
aqui debatido.
3 A cirurgia plástica
como obrigação de meio
É de se observar que
existe grande incidência de processos judiciais versando sobre o Direito
Médico, neste sentido, a cirurgia plástica ganha notadamente relevo quando se
constata as proporções desmedidas, sendo digna de nota a quantidade de
cirurgiões plásticos que sofrem ou já sofreram questionamentos frente à prática
profissional.
Ao adentrar no cerne da
problemática aqui aduzida, torna-se necessário situar que é pacífico o
entendimento de que a atividade médica figura como uma obrigação de meio. De
acordo com o artigo 32 do CFM, o médico tomará para si o dever de empregar
todos os meios e recursos disponíveis ao seu alcance, para combater o mal ou
atingir o melhor resultado possível. A medicina não garante cura, mas sim
tratamento adequado.
Os filósofos antigos
apregoavam ser a medicina a arte do possível. Desta feita, é lógico o
entendimento de que atividade médica, por definição está sujeita ao acaso, ao
imprevisível comportamento da fisiologia humana, é cediço que ainda existem
vários conhecimentos a serem desvendados acerca de o emaranhado saber anatômico
de nossa raça. Obrigação de meio é aquela em que o sujeito se obriga em usar
dos elementos da prudência e diligência necessários na consecução de
determinado fim, logo, o resultado não é certo/determinado, entretanto, o que
se objetiva é a utilização dos meios necessários e possíveis para seu êxito.
Todavia, em cenário
distinto é que boa parte da doutrina enquadra a cirurgia plástica com
finalidade estética como obrigação de resultado, vale dizer que a referida
intervenção cirúrgica é desprovida de finalidade terapêutica. Neste sentido,
entretanto, o médico também está adstrito a -obrigação de meio na cirurgia
plástica reparadora, ou seja, aquela que tem por finalidade reintegrar a pessoa
humana em suas atividades sócias (ocorridas após algum trauma ou advindas desde
o nascimento).
A respeito do tema,
Maria Helena Diniz, defende que a cirurgia plástica com finalidade estética é
obrigação de resultado. Vejamos:
[...] o médico tem
obrigação de resultado ou determinada, de modo que seu paciente pode exigir-lhe
a produção de um resultado, sem o qual haverá inadimplemento da relação
obrigacional […] na cirurgia estética ou cosmetologia sem qualquer função
curativa ou terapêutica, que tem por escopo contornar uma situação indesejável
ou desagradável para o paciente […] A cosmetologia cirúrgica sem nenhuma ação
curativa u terapêutica gera responsabilidade criminal (CP, art. 132) e
indenização civil, havendo insucesso da operação, dano estético ou se o
resultado obtido não corresponde ao esperado. O sucesso na intervenção
cirúrgica é único resultado esperado [...]. (DINIZ, 2010, p. 282 e 283)
Por essas e mais outras
tantas razões, na obrigação de resultado o médico contratado se
determina/obriga em alcançar determinada finalidade, logo caso isto não se
verifique será responsabilizado pelo não cumprimento de tal dever, exceto caso
se prove que o descumprimento ocorreu por caso fortuito ou força maior.
Na cirurgia plástica
com finalidade estética o obrigaria o cirurgião no desenvolver de sua conduta
seria o êxito satisfatório de sua intervenção. Contudo, é imperioso destacar a
tamanha subjetividade envolvida a apreciação do resultado de uma cirurgia
plástica cosmetologia na visão o paciente. Logo o que pode parecer belo e
tecnicamente para uma pessoa, não o será necessariamente para outra.
É cediço, que a busca
pelas cirurgias estéticas surge quando os indivíduos em decorrência de certos
traços físicos se sentem envergonhados e/ou incomodados com sua aparência,
desejando corrigir algo do corpo que não lhe agrade muito, como resultado sua
autoestima estima é abalada, o convívio social e profissional é comprometido e
em casos específicos distúrbios psicológicos surgem e afetam a qualidade de
vida destas pessoas que recorrem às cirurgias plásticas para sanar o problema.
Entretanto, não importa
o que impulsiona a cirurgia estética, há que diga que é pura mediocridade de
pessoas influenciáveis pelos meios de comunicação ou pelo culto à beleza e
físico definido, portanto é neste ambiente que o cirurgião tem o dever de
informar (consentimento informado) para que só após as necessárias informações
o paciente adquira sua escolha de modo esclarecido (escolha esclarecida).
Atualmente uma das
bases fundamentais da relação médico x paciente repousa no dever de informação
do médico para com o seu enfermo ou até mesmo alguém que por ele responda,
valedizer se, por exemplo, aquele não tenha condições de discernimento. A
bioética consagra o princípio o princípio da autonomia como um dos mais
importantes do ramo, tudo isto, dada a possibilidade de o paciente dispor de
seu próprio destino, decidindo que tratamento irá realizar com base nas
informações fornecidas pelo profissional da saúde.
A fim de traçar ainda
mais força ao referido princípio, a Constituição Federal de 1988 elenca o
assunto no bojo dos direitos fundamentais, conseguinte ao trazer em seu artigo
5º, inciso XIV, nos direitos individuais e coletivos que é assegurado a todos o
acesso à informação. O Código de Defesa do Consumidor também consagra tal
entendimento no artigo 3º, inciso III, aduzindo que à “informação adequada e
clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificações correta de
quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como o risco
que apresentem”, logo, corroborando com o entendimento aqui defendido como
dever de informação.
É nesse cenário que o
cirurgião tem o dever de comparar os riscos e benefícios, informando sempre o
paciente de forma exaustiva e exemplificativa os possíveis riscos da cirurgia,
pois assim, como senhor de si o paciente pode avaliar os riscos e decidir se
compensa ou não assumir tais riscos em contrapartida da melhora estética.
Há que se ressaltar que
o desenvolvimento do consentimento se elabora em conjunto, ou seja, o direito
do paciente de ser informado e o dever do médico em informar. É necessário
observar que o paciente deve ser informado de maneira compreensível à sua
capacidade cognitiva, a respeito de seu diagnóstico, risco, prognósticos e
alternativas existentes para seu tratamento.
Além do que, para se
atingir a plenitude do dever de informação, o Paciente necessita efetivamente
compreender a informação que lhe foi transmitida, e não simplesmente recebê-la
sem qualquer tipo de absorção, uma vez, em assim procedendo, poderia até
consentir com o tratamento proposto, mas não exerceria o seu direito de escolha
livre e esclarecida.
Nesse mesmo diapasão,
observa-se que a doutrina admite a distinção entre cirurgia estética reparadora
de enfermidades congênitas e outras de finalidade puramente estética. Todavia,
a fronteira entre tais casos pode ser extremamente difusa.
4 Do posicionamento dos
tribunais acerca do tema
O entendimento dos
Tribunais Brasileiros não é outro. Senão vejamos:
Responsabilidade civil.
Médico. Consentimento informado. A despreocupação do facultativo em obter do
paciente seu consentimento informado pode significar – nos caso mais graves –
negligência no exercício profissional. As exigências do principio do
consentimento informado devem ser atendidas com maior zelo na medida em que
aumenta o risco, ou o dano. Recurso conhecido. (BRASIL, STJ, Resp. Nº 436.827,
Internet)
Consequentemente, a
partir da não observância do válido e regular consentimento informado, vale
dizer se este não é resultante de uma escolha esclarecida, faz com que o
Paciente fique sujeito aos riscos decorrentes da própria imprevisibilidade
inerente à atividade médica. Logo, poderemos ter um resultado satisfatório do
ponto de vista clínico, entretanto, o mesmo pode vir a ser interpretado como
falho se confrontado com outros possíveis desfechos esperados a partir de
outros métodos terapêuticos não informados.
Superado os
esclarecimentos acerca da informação em sentido lato e a sua possibilidade de
defesa ao profissional da saúde que trilhe todos os caminhos aqui delineados,
voltemos a questão da responsabilidade civil do cirurgião plástico.
Inicialmente, a título
de definição conceitual devemos distinguir a negligência, imprudência e a
imperícia no proceder da atividade médica. A necessidade e o dever de agir com
prudência, diligência, precaução e perícia é elementar no cotidiano do
profissional da saúde, esta questão se explica pelo fato de que em se tratando
de uma desejada obrigação de meio, na hipótese de superveniência de um
resultado adverso, o que será analisado para verificação da existência ou não
de culpa, será a conduta do médico.
Em princípio, a
comprovação de culpa deverá passar necessariamente, pela verificação da
prudência, da perícia, do comportamento profissional adotado durante todo o
procedimento, culminando no dever de informação aqui já debatida.
A negligência vem a ser
a ausência do emprego de precauções adequadas para a prática de determinados
atos ou adoção de procedimentos, revelando desleixo, desatenção, indolência,
descaso e descompromisso para com a atividade desempenhada. Aqui o médico por
patente omissão na execução de algum ato determinado acaba enveredando-se no
erro, ou seja, o profissional tem o conhecimento adequado e que dele se espera,
porém, por negligência deixa de cumprir o seu dever. Como exemplos podemos
citar a ausência do médico em requisitar os exames necessários antes de fazer a
cirurgia, realização de exames superficiais e o abandono de paciente sobre os
seus cuidados.
Em segundo lugar, a
imperícia nada mais é do que a incapacidade vale dizer a falta de conhecimentos
técnico-específicos ou até mesmo falta de habilitação para o exercício de
determinada atividade. Por essas e outras razões, pode ainda ser qualificada
como desempenho de uma atividade relativa a uma profissão desconhecida pelo
praticante, revelando inaptidão genérica ou específica. É neste cenário que
podemos afirmar que um médico é imperito quando este não possui aptidão
técnica, teórica ou prática para exercer seu trabalho. A inscrição no Conselho
Regional de Medicina é o que habilita o profissional a exercer a atividade,
todavia, se ele não possui os requisitos aqui aduzidos estará executando um ato
médico com imperícia, podendo assim ocasionar graves danos ao paciente, o que
na verdade seria a prática de um crime.
Em terceiro lugar, a
imprudência vem a ser a inobservância do dever de cuidado, de cautela no
desempenhar de determinadas práticas ou procedimento. É a falta de moderação, é
o agir perigosamente, com falta de precaução, de insensatez e da precipitação
sobre a experiência, o bom senso e o profissionalismo, é a temeridade.
Comecemos por tratar da cirurgia plástica como uma obrigação de meio, vale
dizer sob nenhum aspecto defendemos que ela pode ser considerada como obrigação
de resultado.
De acordo com Eduardo
Dantas, no que diz respeito da cirurgia plástica ser considerada obrigação de
resultado:
Esta é uma
classificação muito difundida, e repetida sem qualquer reflexão pelos menos
avisados, que se limitam a fazer coro com entendimentos que se mostra
ultrapassados, à luz da doutrina atual. [...] Tal equívoco permaneceu durante
muito tempo presente na doutrina nacional, mas vem sendo corrigido ao longo dos
últimos anos, por obra de doutrinadores que se debruçaram sobre o Direito
Médico [...] Muito se falam em impor diferença de tratamento jurídico à chamada
cirurgia plástica desprovida de finalidade terapêutica. Ocorre que este termo,
por si só, é equivocado. (DANTAS, 2009, p. 151)
O entendimento acima
descrito destaca a unicidade de tratamento no tipo de relação jurídica que
ensejaria a responsabilidade civil do cirurgião plástico, se de cirurgia
reparadora (terapêutica) ou cirurgia estética (cosmetologia), portanto, haveria
de ser para ambas a responsabilidade civil decorrente da obrigação de meio na
atividade. Em toda a prática médica não se autoriza a inversão do ônus da prova
e ignorar tal situação caracteriza um patente desvio de realidade, vale dizer
incompatível com o devido processo legal, com a busca da verdade e a justa
análise do procedimento.
Ademais, não se pode
cobrir com um manto o paciente e ignorar que ele tem consciência dos riscos
envolvidos em qualquer procedimento, tentar eximi-lo da responsabilidade é uma
incoerência jurídica uma vez que o consentimento, a conduta e o comportamento
do paciente são mais que atenuantes, na verdade se solidificam como excludentes
de responsabilidade.
Registre-se que impor à
cirurgia plástica estética o dever de resultado é contrariar o próprio sistema
biológico de cada ser humano, que pode variar de indivíduo para indivíduo,
portanto, transmitir exclusivamente o dever do resultado ao médico é uma carga
muito pesada e consequentemente, ferindo de morto o bom-senso.
Merece destaque o
posicionamento acerca do tema de Miguel Kfouri Neto, Desembargador do Tribunal
de Justiça do Paraná -, vejamos:
Em qualquer hipótese,
não milita, em desfavor do cirurgião plástico, nessas intervenções
embelezadoras, presunção de culpa, nem tampouco se aplicam os princípios da
responsabilidade sem culpa. Por fim, as novas tendências verificadas no âmbito
da prova da culpa médica, em especial atribuição dinâmica do encargo
probatório, não mais justificam que apenas ao cirurgião plástico seja aplicado
tratamento diferenciado, gravoso. Todas as especialidades cirúrgicas
submetem-se ao imprevisível – consequência natural, já examinada, das
características individuais de cada pessoa. Assim, a cirurgia plástica
embelezadora há de enquadrar no figurino da verificação da culpa, a exemplo das
demais especialidades médicas – arredando-se a aplicação extremada dos
princípios da responsabilidade objetiva ao profissional liberal, que também se
submete ao estatuto da culpa”. (KFOURI NETO, 2002, p. 267)
O aspecto fundamental
da defesa aqui exposta é tentar demonstrar que a cirurgia plástica é
intervenção médica que se compara a todos os demais procedimentos cirúrgicos e,
as reações fisiológicas que o corpo humano pode ter são absolutamente
imprevisíveis, logo consequências indesejadas podem surgir, em que pese todos
os cuidados, técnicas, prudência, perícia e recursos disponíveis foram
empregados no proceder, razão pela qual não há que se culpas o médico pelo
acaso, vale dizer até porque o mesmo não é desejado.
Outra questão a ser
discutida é a respeito de que o sucesso da cirurgia plástica depende muito dos
cuidados advindos no pós-operatório, estes tomados pelo próprio paciente que
deve seguir a risca todas as cautelas expostas pelo médico. Neste sentido cada
corpo humano pode apresentar sintomas distintos, reações diversas e não
previsíveis em razão de que na medicina não há fórmula exata a ser seguida dada
a complexidade do corpo humano.
Para solidificar o
posicionamento doutrinário, vale dizer de que se trata de obrigação de meio à
questão das cirurgias plásticas estéticas, os Tribunais Brasileiros passaram a
sedimentar em suas decisões o mesmo entendimento.
Não me parece, data
vênia, que se possa classificar uma cirurgia, e nesse plano as cirurgias plásticas
se equipararam às de qualquer outra espécie, de obrigação de resultado, porque,
como se sabe, quando se trata de mexer com a fisiologia humana, além de técnica
empregada pelo médico, havida no conhecimento específico, há sempre um outro
componente que o homem, frágil e impotente diante do desconhecimento, chama de
imprevisível. [...] Nenhum homem seria capaz de afirmar que uma cirurgia tem
100% de possibilidade de êxito e 0% de insucesso. Sintetizando: não há cirurgia
sem risco.” (BRASIL, TJRJ – ApCiv 1.239/90, Internet)
Decidindo de igual
modo, observa-se ainda a decisão proferida pelo Egrégio Tribunal de Justiça de
Alagoas em situação fática bastante similar:
Processo Inflamatório
Crônico. Ação ordinária de indenização. Responsabilidade civil. Erro médico. A
responsabilidade civil dos médicos por atos de seu ofício repousa na culpa.
Assim, realizada a intervenção prescrita ao paciente, com a técnica adequada,
não se pode atribuir à negligência, imprudência ou imperícia do cirurgião as
consequências desfavoráveis, proveniente de um mal evolutivo, decorrente de um
processo inflamatório crônico e inespecífico. Recurso provido” (BRASIL, TJAL,
Ap. Civ. Nº 9.038, Internet)
Deste modo, o que se
espera do médico, seja qual for a sua especialidade, é a sua atuação de forma
zelosa, utilizando sempre de recursos e métodos atualizados e adequados nos
avanços da ciência. Por fim, observe-se, ainda, o venerando acórdão lavrado
pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná:
Prova –
Responsabilidade civil médica por cirurgia plástica malsucedida – Atividade
médica como obrigação de meios e não de resultado – Necessidade de a autora
prova a culpa profissional – Impossibilidade de inversão do ônus da prova –
CCB, art. 1.545 – Inaplicabilidade da Lei nº 8.078/90 (CDC), art. 6º, VIII, em
face do art. 14, § 4º. A obrigação médica é de meio e não de resultado,
depende, portanto, de prova daquele que se disser prejudicado. Estando, desta
forma, a responsabilidade civil dos médicos fundada na teoria da culpa (CCB,
art. 1.545), inaplicável a espécie o disposto no Código de Defesa do
Consumidor, em seu art. 6º, VIII, mesmo porque o próprio Código, em seu art.
14, § 4º exclui a possibilidade da pretendida inversão do ônus probante.
Recurso improvido. (BRASIL, TJPR, Ag. De Intr. Nº 34.834-1, Internet)
É cediço, que o aspecto
principal a ser seguido a fim de evitar tantas demandas judiciais acerca do
tema, repousa na matéria aqui abordada quanto à adequada informação ao
paciente. Conseguinte, dada a sua importante diferenciação entre consentimento
informado e escolha esclarecida, tudo isto com intuito de excluir a
responsabilidade do medido em sua relação com o paciente. Neste sentido, sua
ausência e a oferta do serviço não traz uma apresentação clara dos riscos
envolvidos, inclusive os riscos anestésicos do procedimento, sendo sugeridos
resultados que não podem ser garantidos.
É dever de o cirurgião
plástico prestar ao paciente informação clara, completa, precisa e inteligível,
de modo que o mesmo, conhecendo os riscos advindos de suas decisões e do
tratamento perseguido, assuma as responsabilidades de seu consentimento
informado, e se comprometa em seguir as instruções para o período
pós-operatório.
A partir de tudo isto,
caso surja algum resultado indesejado, necessitará o cirurgião plástico
comprovar que se desincumbiu de seu prévio dever de informação, e que não agiu
com dolo, negligência, imprudência ou imperícia, não se lhe podendo atribuir
culpa por evento danoso posterior.
Temos que ter em mente
que, o Médico não está comprometido com o resultado – já que está sujeito ao
acaso, ao infortúnio, à força maior, o Médico tem o dever de diligência, de
excelência, de contínua busca pelo saber, se aperfeiçoar, razão pela qual, as
ciências médicas, assim como a jurídica, evoluem rapidamente e novas
metodológicas e procedimentos são criados constantemente.
Conclusão
Sob os temas aqui
guerreados, verifica-e que a Medicina sempre deverá estar ao lado do ser
humano, do exposto e sob o ponto de vista que as ciências médicas não só englobam
o médico, e sim genericamente todos os agentes que promovem a saúde coletiva.
Ficou amplamente demonstrado que para a configuração da excludente de
responsabilidade na relação cirurgião plástico-paciente, resta ao profissional
da saúde prestar as informações necessárias, vale dizer consentimento informado
e escolha esclarecida, ademais, ausentes à imperícia, negligência ou
imprudência, não restará imposição de responsabilidade ao médico.
Estamos diante de algo
muito sério, a responsabilidade dos atos decorrentes da prática da Medicina
estão ligados diretamente ao bem mais valoroso e protegido pelo homem, vale
dizer, a vida. Tema que deve ser amplamente discutido e estudado nas cadeiras
das Faculdades de Direito e Medicina/Ciências que envolvam a área da saúde.
Objeto que deve ser analisado com bastante esmero pelos Legisladores e
Operadores do Direito em geral. A atividade médica não deve ser intimidada
frente o pensamento retroativo de uma sociedade punitiva.
A atividade Médica –
principalmente a que trata da cirurgia plástica, é deveras vezes injustiçada
frente os anseios que a sociedade espera do Poder Judiciário. Os reveses e
resultados desfavoráveis da sua atuação nem sempre são compreendidos pelo
paciente e seus familiares. O Poder Judiciário deve separar a emoção que
envolve a lide e exercer sua atividade imparcial, livre e autônoma, cumprindo
assim seu papel Constitucional, do contrário estaria a frear os avanços de uma
área da Ciência que merece total credibilidade e respaldo social para continuar
na busca pela cura, melhores tratamentos, técnicas cirúrgicas, enfim,
procedimentos que com certeza visam o benefício de todos.
Vivemos em uma época
que o Médico perdeu aquele sentimento de semidivindade que o encobria em tempos
pretéritos, em detrimento dos avanços que a área passou e continua passando, o
Médico é altamente cobrado e intimidado, é mais exigido, perdendo o “direito”
de errar e tendo que assumir o papel de “algo” que não pode mais falhar, caso contrário,
poderia até ser chamado de assassino e ver a sua vida mudar, ser tratado como
criminoso, todavia, seu interesse era exercer o contido no Juramento de
Hipócrates por ocasião de sua formatura.
A máxima cautela deve
ser atribuída, entretanto, as questões ligadas à evolução tecnológica da
medicina. As informações sobre o genoma humano, a biotecnologia, o que esperar
do progresso das ciências biológicas e o que isso representará nos interesses
sociais. Princípios devem ser respeitados e seguidos, portanto, a manipulação
do material genético de uma pessoa só atentará aos fins da Ciência Médica – no
sentido do bem à saúde humana, se esta intervenção for como instrumento de
melhoria de sua vida e de seus descendentes.
Todavia, o que se sabe
é que temos desafios futuros e não devemos deixar que o progresso seja usado
para benefício de uns e de outros ou que seja efetivado para discriminar o
homem.
Veja mais;
http://antoniolessaa.jusbrasil.com.br/artigos/117151843/responsabilidade-civil-do-cirurgiao-plastico-obrigacao-de-meio-e-nao-de-resultado?utm_campaign=newsletter&utm_medium=email&utm_source=newsletter
.