37% dos réus
submetidos à prisão provisória não são condenados à prisão
A política
criminal no Brasil funciona da seguinte forma: só é processado quem foi preso
em flagrante e só é condenado quem já estava preso. É o que se conclui de
estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Departamento de
Política Penitenciária do Ministério da Justiça (Depen), divulgado nesta
quinta-feira (27/11).
De acordo com a
pesquisa, 60% dos inquéritos policiais conclusos em 2011 foram abertos a partir
de flagrantes. E 65,5% das denúncias recebidas pelo Judiciário tratavam de
inquéritos abertos depois de flagrante. Em 87% dos casos, o réu já estava
preso. Nos inquéritos abertos por portaria, a proporção de denúncias aceitas
com o réu já preso cai para 12,3%.
Quando se trata
da condenação, as cifras são parecidas: 63% dos réus que cumpriram prisão
provisória foram condenados a penas privativas de liberdade e 17% foram
absolvidos. Isso mostra que 37% dos réus que foram submetidos à prisão
provisória não foram condenados a cumprir pena atrás das grades. Receberam
penas restritivas de direitos e medidas alternativas ou a decisão foi pelo
arquivamento do caso ou pela prescrição da pretensão punitiva.
“Ou seja, o fato
de que praticamente quatro em cada dez presos provisórios não recebem pena
privativa de liberdade revela o sistemático, abusivo e desproporcional uso da
prisão provisória pelo sistema de Justiça do país”, conclui o estudo.
Almir de
Oliveira Júnior (foto), um dos responsáveis pelo levantamento, complementa com
o dado do chamado déficit carcerário: em dezembro de 2011 o Brasil tinha 270
mil vagas para 514,5 mil presos. Faltavam, portanto, 244,5 mil vagas no sistema
prisional brasileiro. “Faltam vagas, mas prende-se mais do que devia”, afirma o
diretor do Ipea.
O levantamento
também conclui que parte da “culpa” pela situação estar como está é da falta de
defesa adequada. Em 60% dos casos em que houve sentença condenatória, não houve
qualquer recurso. Dos casos em que a defesa recorreu, em 22,4% aguardaram o
recurso presos. “Uma vez proferida a sentença, ela é cumprida imediatamente
pelos réus. São poucos os processos com recursos capazes de adiar o cumprimento
da sentença”, afirma o Ipea.
O estudo do Ipea
fala dos inquéritos, denúncias e processos criminais conclusos até dezembro de
2011. O maior impacto da Lei das Cautelares (Lei 12.403), editada em maio
daquele ano, portanto, não foi retratado no documento.
A pesquisa
começou a ser feita em 2012 e durou cerca de dois anos. Por isso, explica a
entidade, há “defasagem” das informações. Também foram analisados dados dos
estados com as maiores taxas de homicídio por habitante, entre eles Alagoas,
Bahia, Distrito Federal, Espírito Santo, Minas Gerais, Pará, Paraná,
Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo.
Segundo os dados
do Depen do mesmo período, o Brasil tinha, em dezembro de 2011, 514,7 milhões
de pessoas presas, entre homens e mulheres em todos os regimes. Desses, 217,1
mil eram presos provisórios, entre os detidos em presídios e em delegacias. Uma
proporção de 42%.
Jogada ensaiada
“Os dados
mostram que, embora o senso comum diga que as leis são fracas, ou que a polícia
prende para a Justiça soltar, a realidade é que, instaurado o inquérito, o
Ministério Público denuncia e a Justiça assina embaixo”, comenta Oliveira
Júnior, que é diretor de estudos e políticas de Estado das instituições da
democracia do Ipea.
Ele falou na
manhã desta quinta, durante o evento em que foi divulgado um resumo do estudo.
De acordo com Oliveira Junior, o Ipea constatou que a prisão é vista pelo
sistema criminal como “uma forma de fazer as coisas andarem”. É decretada a
prisão preventiva para garantir que o réu será encontrado e que comparecerá às
audiências, por exemplo, segundo o pesquisador.
“De fato, quando
o réu está preso o processo anda mais rápido. Muito se fala que há dificuldade
em achar as pessoas. Por isso a polícia já prende, o MP denuncia e a Justiça
condena, mantendo a prisão. É como se o Judiciário tomasse para si o papel de
dar respostas à sociedade. Mas é essa a solução? Num Estado Democrático de
Direito?”, provoca o diretor do Ipea.
Cor e classe
Na análise da
pesquisadora Raquel da Cruz Lima (foto), o estudo aponta a necessidade do
“combate ao encarceramento”. Ela é da equipe de Justiça Criminal do Instituto
Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), uma ONG que milita pela redução do
encarceramento e pelos direitos da população carcerária.
Raquel acredita
que o flagrante seja o “eixo fundamental” dos problemas da política criminal
brasileira atual. Ela explica que, como é o flagrante que garante a instauração
do inquérito, são as chamadas delegacias de circunstância, não especializadas,
que determinam quem será processado ou não. E, pelas estatísticas, quem será
condenado ou não.
Segundo ela,
suspeitos é que são presos em flagrante, e a definição de um suspeito passa
pela análise de uma série de padrões físicos e comportamento. A pesquisadora
entende essa postura como preconceituosa, o que explicaria a grande maioria de
presos negros, pobres e de baixa escolaridade.
O próprio Depen
afirma que, em dezembro de 2011, quase a metade dos presos do país não tinha
nem o ensino fundamental completo, a maioria tinha entre 18 e 24 anos e se
identificou como parda. “Diante do dado de que o juiz mantém preso por causa da
dificuldade de localizar o réu, quem está mais propenso a ser preso senão uma
pessoa em situação de rua?”, comenta Raquel Lima.
Fabiana Costa de
Oliveira Barreto, membro do Conselho Nacional de Política Criminal e
Penitenciária do Ministério da Justiça (CNPCP), concorda com a pesquisadora.
Para ela, o estudo do Ipea prova que “o flagrante é nosso arqui-inimigo”.
Durante o evento de lançamento do sumário do estudo do Iepa, ela analisou que a
política criminal que não trata das prisões em flagrante “não toca no cerne do
problema”. “As pessoas são processadas porque são presas.”
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