Devolução de cheque por
insuficiência de fundos após decorridos os prazos para apresentação e de
prescrição gera dano moral
Ao
julgar o REsp. 1.297.353/SP, a 3ª Turma do STJ considerou que há dano moral
indenizável quando a instituição financeira devolve cheque emitido pelo
sacador, após decorrido o prazo para a apresentação do título pelo seu portador
e, ainda, após escoado o prazo prescricional.
Entendeu-se
que, como o correntista não está obrigado a manter, eternamente, saldo para
pagamento de cheque por ele emitido, isto é, só está obrigado a manter
numerário em conta somente durante o prazo para a apresentação da cártula,
sendo o cheque devolvido por falta de fundos, tal ato por parte da instituição
financeira acaba por inseri-lo, injustificadamente, na situação de
inadimplente, nada obstante a dívida continue existindo perante o respectivo
credor. Consequentemente, tendo o nome do emitente sido inserido indevidamente
em cadastros de inadimplentes, presume-se a ocorrência de dano moral.
O
julgado está assim ementado:
DIREITO
DO CONSUMIDOR. DANOS MORAIS. DEVOLUÇÃO DE CHEQUE POR MOTIVO DIVERSO.
É
cabível a indenização por danos morais pela instituição financeira quando
cheque apresentado fora do prazo legal e já prescrito é devolvido sob o
argumento de insuficiência de fundos. Considerando que a Lei n. 7.357/1985 diz
que a "a existência de fundos disponíveis é verificada no momento da
apresentação do cheque para pagamento" (art. 4º, § 1º) e, paralelamente,
afirma que o título deve ser apresentado para pagamento em determinado prazo
(art. 33), impõe-se ao sacador (emitente), de forma implícita, a obrigação de
manter provisão de fundos somente durante o prazo de apresentação do cheque.
Com isso, evita-se que o sacador fique obrigado em caráter perpétuo a manter
dinheiro em conta para o seu pagamento. Por outro lado, a instituição financeira
não está impedida de proceder à compensação do cheque após o prazo de
apresentação se houver saldo em conta. Contudo, não poderá devolvê-lo por
insuficiência de fundos se a apresentação tiver ocorrido após o prazo que a lei
assinalou para a prática desse ato. Ademais, de acordo com o Manual Operacional
da Compe (Centralizadora da Compensação de Cheques), o cheque deve ser
devolvido pelo "motivo 11" quando, em primeira apresentação, não
tiver fundos e, pelo "motivo 12", quando não tiver fundos em segunda
apresentação. Dito isso, é preciso acrescentar que só será possível afirmar que
o cheque foi devolvido por falta de fundos quando ele podia ser validamente
apresentado. No mesmo passo, vale destacar que o referido Manual estabelece que
o cheque sem fundos [motivos 11 e 12] somente pode ser devolvido pelo motivo
correspondente. Diante disso, se a instituição financeira fundamentou a
devolução de cheque em insuficiência de fundos, mas o motivo era outro, resta
configurada uma clara hipótese de defeito na prestação do serviço bancário,
visto que o banco recorrido não atendeu a regramento administrativo baixado de
forma cogente pelo órgão regulador; configura-se, portanto, sua
responsabilidade objetiva pelos danos deflagrados ao consumidor, nos termos do
art. 14 da Lei n.8.078/1990. Tal conclusão é reforçada quando, além de o cheque
ter sido apresentado fora do prazo, ainda se consumou a prescrição. REsp
1.297.353-SP, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 16/10/2012.
Inicialmente,
registre-se que o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições
financeiras, consideradas fornecedoras de serviços por força do seu art.3º, §
2º. Ademais, com vistas a espancar de vez a discussão existente em torno desse
ponto, o STJ editou a súmula nº 297, cujo verbete diz: “O Código de Defesa do
Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. Sendo assim, não restam
dúvidas de que a relação jurídica travada entre o correntista e o banco é de
consumo.
Superado
esse ponto, percebe-se que a decisão da 3ª Turma resume-se na licitude da
devolução de cheque emitido pelo correntista, o qual foi apresentado para
pagamento após exauridos os prazos para apresentação, bem como o prescricional,
o que, a juízo do órgão julgador, reforça ainda mais a atitude ilícita da ré.
Dispõe
o art. 33 da Lei nº 7.357/85 (Lei do Cheque):
Art.
33 O cheque deve ser apresentado para pagamento, a contar do dia da emissão, no
prazo de 30 (trinta) dias, quando emitido no lugar onde houver de ser pago; e
de 60 (sessenta) dias, quando emitido em outro lugar do País ou no exterior.
Segundo
consta do acórdão, o problema é que a lei não diz que atitude os bancos devem
adotar, caso o cheque seja apresentado após os prazos definidos pelo
dispositivo. Contudo, a decisão afirma que, independentemente disso, é certo
que o banco não poderá devolvê-lo por insuficiência de fundos, uma vez que o
correntista não está obrigado a manter numerário em conta ad eternum.
Nesse
diapasão, estabelece o art. 4º, § 1º, da mesma lei:
Art.
4º O emitente deve ter fundos disponíveis em poder do sacado e estar autorizado
a sobre eles emitir cheque, em virtude de contrato expresso ou tácito. A
infração desses preceitos não prejudica a validade do título como cheque.
§ 1º -
A existência de fundos disponíveis é verificada no momento da apresentação do
cheque para pagamento.
Quando
a lei diz que a existência de fundos é verificada no momento da apresentação do
cheque para pagamento, está a dizer que a manutenção de fundos deve ser
observada dentro dos prazos do art. 33. Após esse ínterim, embora a dívida
continue a existir perante o credor, nada há que obrigue o correntista a manter
saldo em conta para efeitos de pagamento do título, e é exatamente por isso que
não poderia ter devolvido o cheque por insuficiência de fundos. Nada obstante,
a nosso ver, entendeu-se corretamente que, se eventualmente houver fundos no
momento da apresentação posterior aos prazos do citado art. 33, nada impede que
o banco pague o cheque, em homenagem ao princípio da boa-fé.
Contudo,
não foi essa a realidade do caso em estudo. Houve a devolução do cheque por
insuficiência de fundos, contrariando as regras da legislação que rege essa
espécie de título de crédito, o que redundou na inclusão do nome do consumidor
no Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos (CCF), o que o coloca na posição
de inadimplente, quando, na verdade, assim não poderia ser considerado. A esse
respeito, cabe consignar que a Centralizadora da Compensação de Cheques
(COMPE), instituição regulada pelo Banco Central (BACEN), possui um manual operacional,
cujo item 8.2 prevê:
"O
cheque sem fundos [motivos 11 e 12] e o cheque sacado contra conta de depósitos
à vista encerrada [motivo 13] somente podem ser devolvidos pelo motivo
correspondente, bem como gerar registro de ocorrência no Cadastro de Emitentes
de Cheques sem Fundos (CCF), na condição de não ser aplicável a devolução por
qualquer outro motivo".
Com
vistas nisso, o cheque jamais poderia ter sido devolvido por insuficiência de
fundos, tampouco o nome do autor ter sido inscrito no CCF. Destarte, tendo a
instituição financeira descumprido os deveres jurídicos que deveria ter
observado em sua atuação, vindo a causar um dano ao consumidor, foi devidamente
condenada a compensá-lo pelo ato ilícito. No caso, a responsabilidade é
objetiva, isto é, independentemente de culpa, com fundamento no risco do
empreendimento, cuja previsão normativa está no art. 14 do CDC:
Art.
14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de
culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos
relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou
inadequadas sobre sua fruição e riscos.
Imperioso
destacar, ainda, que trata-se de dano in re ipsa, isto é, uma ofensa
presumível, que dispensa a prova de dor, desgosto, frustração, abalo
psicológico etc., por parte do ofendido. A esse respeito, merece destaque o
Enunciado nº 444, aprovado na V Jornada de Direito Civil, promovida pelo
Conselho da Justiça Federal - CJF, em parceria com o STJ. Eis o verbete:
Enunciado
n. 444 – “O dano moral indenizável não pressupõe necessariamente a verificação
de sentimentos humanos desagradáveis como dor ou sofrimento”.
Em
outras palavras, considerada do ponto de vista objetivo, a inclusão do nome do
consumidor em cadastros de inadimplentes comporta a presunção de que é ato
capaz de colocar o indivíduo em posição desabonadora perante a sociedade.
Veja
mais;
http://vitorgug.jusbrasil.com.br/artigos/157226301/devolucao-de-cheque-por-insuficiencia-de-fundos-apos-decorridos-os-prazos-para-apresentacao-e-de-prescricao-gera-dano-moral?utm_campaign=newsletter-daily_20141215_439&utm_medium=email&utm_source=newsletter
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